Correio do Minho

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“Descriminação negativa”

Os bobos

Voz às Escolas

2014-06-02 às 06h00

J. A. Pinto de Matos J. A. Pinto de Matos

Ao longo das nossas crónicas, aqui, neste espaço “Voz às Escolas” que o Correio do Minho nos tem gentilmente disponibilizado, há uma linha de que nunca nos deviámos e que as tem suportado: a defesa incondicional da escola pública. De uma escola pública de qualidade (que não pode ser - não é! - uma utopia); uma escola integradora - e de educação integral, que enfrente a escola resultadista e castradora da dimensão humana; uma escola comprometida com o desenvolvimento de competências éticas, sociais e ambientais, que permitam uma intervenção plena na sociedade; uma escola, enfim, onde a equidade social exista para que possa ser uma escola para todos, e de sucesso para todos. Também nesta área de intervenção é importante revisitar a Constituição, não para nela encontrar subterfúgios para a omissão ou alçapões para esconder as suas determinações, mas para que se cumpra.

Nesta crónica, que será a última na qualidade por que fomos convidados, uma vez que termina a nossa comissão de serviço nas funções de direção, registamos que nunca nos coibimos de apontar o dedo ao próprio Ministério da Educação (de vários Ministros), antes pelo contrário, porque sempre referimos que há um grande número de problemas induzidos nas escolas por ação do próprio Ministério, e que muito contribuem para um clima de desencanto, incerteza, insegurança, ansiedade e, naturalmente, dificultam a criação de condições de estabilidade para que o serviço público educativo - de qualidade - aconteça.

São disso exemplo, apontámos, as reformas de curto prazo e revisões curriculares, sem tempo de assimilação, o excesso de burocracia, a panóplia de normativos legais, sistematicamente alterados, às vezes contraditórios e pouco fiáveis, que potenciam a arbitrariedade interpretativa e desconexa dos diversos organismos ou estruturas hierárquicas do ministério, e assim instalam a incerteza quanto à conformidade legal das práticas… Tudo, ou quase tudo, com a sacrossanta intenção de aumentar a autonomia das escolas! Autonomia que se perde pelo caminho, porque as escolas não a veem chegar, apesar da atenta e ansiada espera (melhor: veem que lhes é paulatinamente retirada a pouca que ainda detinham, em contraciclo com o discurso incensador das suas virtudes).

Apresentámos também a nossa discordância ou a nossa incompreensão quanto a muitas das opções do Ministério, que assumida, velada ou inconscientemente (deixem-nos passar por ingénuo…) se traduzem em rombos assinaláveis na escola pública.

Muitos dos problemas da educação e das escolas públicas em geral têm a sua génese no exterior da escola e não está naturalmente nas suas capacidades a sua resolução. A escola não é um espaço fechado, imune aos problemas do seu contexto; nela se refletem as mudanças sociais, económicas e culturais, bem como todas as dificuldades do quotidiano social. E os resultados, esse “Santo Graal” que o Ministério demanda, provam-no qualquer estudo, estão condicionados pelo contexto sociofamiliar…

O recente relatório PISA, da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), por exemplo, regista que são sobretudo os filhos das famílias com empregos mais qualificados, e por isso com mais recursos económicos, que conseguem melhores resultados. Ignorando a evidência dos estudos, o Ministério decidiu atribuir, para o próximo ano letivo “horas de crédito às escolas que apresentem uma redução da percentagem de alunos em abandono ou risco de abandono escolar ou que demonstrem uma maior consistência na melhoria dos resultados da avaliação sumativa externa ao longo de três anos letivos consecutivos”.

A opção do Ministério mais parece um insulto para aquelas escolas situadas em meios desfavorecidos, que investem com denodo na educação e ensino dos seus alunos, mas cujos resultados “não melhoram”. Estas são castigadas por trabalharem muito e em condições muito mais difíceis: não têm o bónus das horas de crédito para implementação de ações e projetos que permitissem esbater diferenças (geradas “no berço”) e melhorar os resultados! Como pode o Ministério assumir que, com esta descriminação negativa, “pretende reconhecer e premiar o esforço e o trabalho das escolas que melhoram, ano após ano, os seus resultados”?

Nas escolas de contextos desfavorecidos, raramente (para não dizermos nunca) o esforço e o trabalho desenvolvidos têm uma correspondência equivalente em termos de resultados. Mas “o esforço e o trabalho” desenvolvidos estão lá (em dobrado muitas vezes); só que o Ministério não o reconhece nem o premeia. Prefere dar mais a quem menos precisa, prefere investir no reforço das assimetrias sociais!

Fica a sensação de que o Ministério (as cúpulas de decisão) age por impulsos, não fundamentando as suas opções nos diversos estudos que inevitavelmente realçam a relação direta entre os contextos desfavorecidos e os piores resultados e o maior abandono escolar. Ou então é uma opção elitista, na linha segregadora de desmoronamento meticuloso (e insidioso) da escola pública, debilitando-a porque é (= devia ser) integradora.

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