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Tempo de Raiva

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Ideias

2017-12-15 às 06h00

J.A. Oliveira Rocha J.A. Oliveira Rocha

Como há muito tempo me debato em encontrar uma explicação racional para fenómenos aparentemente contraditórios, como o terrorismo de origem islâmica, o Estado islâmico, a vitória de Trump nos Estados Unidos e o Brexit em Inglaterra, fui de imediato comprar o livro de Pankaj Mishra: Tempo de Raiva: Uma História do Presente. É que segundo a crítica, o autor explica este puzzle, aparentemente contraditório, mas em que as peças encaixam.
Segundo Pankaj Mishra, a explicação para a história moderna remonta ao iluminismo e a dois autores que se odiavam mutuamente: Voltaire e Rousseau. O primeiro pretendia o triunfo do progresso, não lhe interessando a igualdade social. Em última análise uma monarquia sábia, como a de Frederico da Prússia ou de Catarina a Grande poderia liderar a transformação de um mundo feudal para um mundo de burgueses e empreendedores. Rousseau e os seus seguidores defendiam ideais de igualdade e de fraternidade. Mas o mundo do progresso industrial criou não a igualdade, mas um exército de descontentes e ressentidos.
O desenvolvimento levou ao fracasso da democracia liberal, incapaz de responder às massas das pessoas, cheias de medo e incerteza. Este clima de incerteza foi aproveitado pelos demagogos, que passaram a considerar o Estado facilmente manipulável pelas elites que procuram apenas servir-se através da retórica da democracia.
Esta conceção enraizou-se principalmente em estados recentemente unificados, como a Alemanha e a Itália, desembocando em estados nacionalistas e fascistas.
O Estado social do pós-guerra significou uma tentativa de ultrapassar este conflito, distribuindo parte do supérfluo pelos descontentes através de subsídios e benefícios sociais. Mas nos anos oitenta o capitalismo triunfante diminuiu drasticamente o alcance do Estado social. Por outro lado, a globalização, caraterizada pelo capitalismo apátrida, pela aceleração da comunicação enfraqueceu as antigas formas de autoridade, tanto nos países social-democratas, como nos países despóticos árabes.
E as ondas de choque da crise financeira de 2008, do Brexit e das eleições presidenciais americanas, confirmaram o que escreveu Hannah Arendt “ pela primeira vez na história os povos da Terra têm um presente comum”. Os indivíduos com passado muito diferente dão por si pastoreados pelo capitalismo e tecnologia em direção a um presente comum em que a distribuição grosseiramente desigual da riqueza e do poder gerou novas hierarquias humilhantes e um tremendo aumento de ódio e ressentimentos. O sonho de Fukuyama da democracia do mercado ruiu.
Donald Trump encabeçou uma insurreição de nacionalistas brancos ( make America great again) enraivecidos por terem sido logrados com a globalização. No Reino Unido desembocou no Brexit. Em ambos os países o nacionalismo está associado ao ódio aos estrangeiros.
Nos estados muçulmanos, os ressentimentos nascem das consequências do desenvolvimento e das ruturas que deixou o processo de modernização. E as organizações extremistas encontraram com facilidade recrutas entre os jovens que não têm trabalho, nem perspetivas de o virem a ter. Mas muitos destes jovens são completamente desenraizados da tradição muçulmana, ou têm vagos conhecimentos obtidos em manuais de divulgação, tipo “O Corão para Totós”
A intervenção dos países ocidentais na Primavera Árabe veio agravar estas distorções; mas a origem é a mesma, o capitalismo triunfante e a globalização.
Concordo, pois com o autor, cuja tese é de que Trump, O Brexit e o terrorismo são peças do mesmo puzzle, a de demagogos que encabeçam o descontentamento que a última fase do capitalismo gerou, mas que pode levar a uma nova guerra bem mais mortífera que as revoluções do século dezanove e a segunda guerra mundial. Estamos sentados num barril de pólvora em que os demagogos não são fiáveis

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