Correio do Minho

Braga, quinta-feira

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A Estrada da Beira

Braga - Concelho mais Liberal de Portugal

Ideias

2017-05-16 às 06h00

João Marques João Marques

A obrigação de um político é saber distinguir o que parece do que é. E nessa obrigação inclui-se a capacidade de discernir entre o que são críticas de circunstância e o que é uma circunstância de críticas mais perenes, ou, no adágio popular, separar “a beira da estrada da estrada da Beira”. Ao definir prioridades, linhas de atuação e escolhas, um presidente de Câmara deve, por exemplo, saber que há opções que, no imediato, lhe podem custar votos, mas que, no médio e longo prazo, podem beneficiar, e muito, a população. Sem descurar a hipótese, brilhantemente enunciada por Keynes, de que “no longo prazo todos estaremos mortos”, sobra, ainda assim, para o político com funções executivas, a necessidade de cuidar do efeito plurianual das suas medidas, mormente numa época de parcos recursos e de bastas necessidades.

É fácil entretermo-nos com noções que apoucam decisões que privilegiam muitas destas medidas, seja pelo caráter mais imediatista, ligado ao folclore da festa e às dificuldades quotidianas que elas encerram, seja pelo curto alcance de vistas de quem segue por esse caminho, mas talvez seja bom refletirmos sobre se essa é a melhor opção.

Um bom exemplo disto mesmo respeita à realização de grandes eventos internacionais, alheados das coordenadas do concelho há longos anos, com as honrosas exceções do Euro 2004, evento em que Braga foi parceira, e da Capital Europeia da Juventude (que o PSD, através da JSD, propôs, em primeira mão, que se realizasse por estas paragens). Felizmente, desde 2013, Braga voltou, em força, ao roteiro da relevância internacional. Iniciativas com a Capital Ibero-Americana da Juventude, da Volta a Portugal em Bicicleta e, agora, do Rally de Portugal, catapultam o nome do concelho e as suas inúmeras valias bem para lá das suas fronteiras.

Todos sabemos, porém, o quanto estas realizações podem “incomodar” o dia-a-dia das populações: estradas cortadas, lojas encerradas, ruas sobrelotadas, enfim, uma série de disrupções das rotinas automáticas das vidas de todos nós, que nos parecem sempre desequilibradamente penalizadoras do nosso concreto conforto em favor de uma imensurável melhoria da atratividade da cidade. Mas será mesmo assim? Em primeiro lugar, reconheça-se que ninguém pode pedir a quem vê a sua vida alterada por um espetáculo/evento que nada lhe diz que responda com entusiasmo perante o potencial que o mesmo alegadamente encerra.

Mas é também, por isso, errado julgar o sucesso ou insucesso deste tipo de iniciativas pelas críticas pontuais que se vão ouvindo. Tendo isto presente, o que se pede “a quem manda” é que demonstre qual o retorno que espera alcançar com estes aborrecimentos momentâneos da vida dos seus concidadãos. E para isto nada melhor existe do que olhar para quem já “sofreu na pele” com estes desarrumos e perceber o bem que os mesmos originaram.

Atente-se, então, num caso paradigmático de um pequeno concelho alto-minhoto, como é Caminha, para se perceber o verdadeiro potencial que está em causa quando se organiza uma prova da mais alta categoria internacional, como é o Rally de Portugal. Este concelho, governado por um executivo socialista, tem previsto para o ano de 2017, um orçamento de €20.702.207,00, ou seja, cerca de 21 milhões de euros. No ano de 2016, o Rally de Portugal passou por lá e gerou, de acordo com as contas de um estudo citado pelo próprio município, um retorno de mais de 3 milhões de euros.

A ocupação hoteleira registou um incremento de 12% e o número de turistas subiu 35%. Em suma, nas palavras de Miguel Alves, presidente da Câmara Municipal, “Bateram-se todos os recordes que colocaram o município como o segundo do distrito na atração de visitantes e o sexto de toda a região do Minho'. Ora, se num pequeno concelho como este, em que o Rally não passa mais de umas horas num dia, é possível gerar um retorno financeiro que representa quase 15% do orçamento anual, não é difícil perceber a importância de curto, de médio e longo prazo que a passagem do Rally por Braga pode ter. Até porque, como assinalou o Presidente da Câmara Municipal de Caminha, a propósito da edição 2017, do Rally de Portugal, que marcará presença novamente no seu concelho: ”O número de reservas para o que resta deste ano é já 100% superior ao número de reservas que existiam, nesta data, para todo o ano de 2016'.

É certo que no tempo de Mesquita Machado não tínhamos de nos preocupar com estas dificuldades organizativas e com a ponderação entre os interesses de lojistas, moradores, e demais cidadãos afetados e os interesses do concelho como um todo… Pudera, também nada havia de relevante que obrigasse o concelho a interiorizar a noção de que grandes eventos significam também significativas restrições à vida diária.

Estas são mudanças pontuais que nos afetam as rotinas, que nos incomodam, ou, nas magistrais palavras de Pinheiro de Azevedo, aquando do cerco ao Parlamento, em 1975, são coisas “que [nos] chateia[m]”, mas a mudança de mentalidades passa também por aí. É imperioso perceber que o alcance das nossas dificuldades neste instante não pode beliscar o interesse público de Braga e dos bracarenses e dos enormes ganhos que uma tarde de rally pode ter na vida de muitos de nós, nomeadamente na criação de emprego e de projetos de vida sustentados numa dimensão internacional de Braga até aqui desconhecida. Por isso repito, não se confunda “a beira da estrada com a estrada da Beira” nem tampouco se misture o Rally de Portugal com a gincana da 31 de janeiro.

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