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A República dos não iguais

Os bobos

A República dos não iguais

Escreve quem sabe

2019-03-29 às 06h00

J.A. Oliveira Rocha J.A. Oliveira Rocha

Todos os dias se ouve dizer que determinado membro do governo nomeou, ou fez nomear um seu familiar, ou amigo para um lugar na Administração. Não se discute o problema do mérito, tanto mais que sabemos que, para além de familiares, muitos dos nomeados obtiveram as suas qualificações numa dessas “ escolas da vida “ que são as juventudes partidárias. Bajulando aqui, intrigando além, essas almas vão subindo a escada íngreme da política. A questão não é bem essa, mas sim a de saber como é que este sistema assegura a igualdade dos cidadãos em uma república democrática. Para responder a esta questão nada melhor que uma incursão na história.
Basicamente, os valores de uma civilização apontam para a ideia de separação entre política e administração. Segundo Woodrow Wilson os políticos são eleitos e respondem perante os cidadãos; os funcionários são recrutados tendo em conta a neutralidade e o mérito e respondem funcionalmente ao poder político. Mas nem sempre foi assim.

Nos Estados Unidos, até meados do século XlX , funcionou o sistema da patronage. O patrão (presidente, mayor, governador) uma vez eleito, nomeava quem queria para lugares na administração. Era também chamado o sistema dos despojos. Nos anos setenta do século XlX um senador, Pendleton, conseguiu passar uma lei que obrigava o poder executivo a sujeitar-se ao princípio do mérito a quando da nomeação de funcionários. Para isso foi criada uma Comissão ( Civil Service Commission) que administrava os testes destinados a selecionar os melhores para o serviço público. O sistema ainda hoje existe, salvo para alguns cargos superiores, os quais são de confiança política.
Na Europa continental, embora o problema se tenha posto mais cedo, com a Revolução Francesa e as Constituições liberais, o processo foi muito lento, tendo-se arrastado até ao século XX. Portugal é um caso típico, já que embora os concursos fossem obrigatórios desde a Constituição de 1820, na verdade, não passavam de um faz de conta e os titulares de cargos de chefia continuaram a ser nomeados até ao século XXl.

Mas, em quanto o princípio do mérito se institucionalizava na Europa, nos países do sul, continuou a ser uma mascarada. E daí que com a TROIKA tenha sido aconselhado, ou imposto (situação nunca esclarecida) a criação de uma espécie de civil service comission. Esta comissão ficou conhecida como CRESAP cuja função consistia em fazer o recrutamento e seleção dos dirigentes da Administração Pública entregando, para cada cargo, os nomes dos três melhores. O poder político escolhia um dos três, o qual poderia ser da sua cor, ou não. Quanto aos gestores públicos, a comissão limitava-se a dar o seu parecer, mas o processo funcionou com a ajuda do escrutínio da Comunicação Social. E apesar da lei mal concebida, o sistema funcionou porque os membros da comissão eram três professores universitários e uma inspetora-geral, pessoas habituadas a comportarem-se com independência e não se sujeitarem ao poder político.

Com este governo, e embora a lei não tivesse sido alterada, os membros da comissão foram substituídos por funcionários públicos, habituados a obedecer e a aceitar as imposições do poder político. E a CRESAP deixou, de fato, de existir; é uma instituição moribunda que não cumpre as suas funções. E agora tudo é permitido: nomear a mulher, o filho, o sobrinho, o cão, o gato e até o periquito.
Era sabido que alguns membros do governo com responsabilidade direta, ou indireta na Administração Pública sempre defenderam que os quadros dirigentes deveriam ser de confiança política e pessoal. Os seus nomes são conhecidos e escuso de os nomear.

Se examinarmos, porém, com mais profundidade o comportamento dessas pessoas, por regra, não têm peso político, nem um curral eleitoral. O seu poder político vem-lhes de poder colocar no aparelho de Estado os seus protegidos que, esperam, os apoiarão no futuro. Não há pois qualquer posição ideológica, ou pensamento político, mas tão só interesse pessoal.
Da história da CRESAP podem tirar-se várias conclusões: as leis são pouco importantes como instrumentos de implementação de políticas públicas; tudo depende das pessoas que ocupam os cargos. Em segundo lugar, estamos num país pobre em que vale tudo para sentar-se à mesa do orçamento; em terceiro lugar deve desconfiar-se de discursos ideológicos e de posições pseudocientíficas ; regra geral justificam interesses. E, finalmente, os lobos postos à solta devoram tudo, até a democracia.

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