Braga e a Rampa da Falperra
Conta o Leitor
2016-08-12 às 06h00
Ramiro Costa
Há algum tempo que andava à procura de inspiração para um conto, uma história, um relato, uma crónica para enviar ao jornal Correio do Minho para publicação nestes meses de verão. E não conseguia. Estruturar um conto, contar uma pequena história, real ou ficcionada, às vezes parece fácil. Tão fácil que, quando acabámos de a ler, chegámos a comentar: “Até eu era capaz de fazer uma história destas!”. Mas o certo é que não a conseguimos escrever. Comecei a ficar um pouco desiludido, pois tendo a oportunidade de ver publicado no jornal um pequeno conto, não era capaz de o escrever. E fui-me habituando à ideia de que este ano não conseguia. Mas a desistência não era definitiva. Há sempre uma réstia de esperança. Fui mantendo esta réstia e num dia de calor intenso deste mês de agosto, surgiu finalmente o momento, a tal inspiração, a partir da observação de uma família sentada numa esplanada em Braga, bem no centro da cidade.
Para saborear uma bebida fresca, neste dia de calor sufocante, eu e um amigo sentámo-nos numa esplanada, das muitas que Braga tem para oferecer aos seus habitantes e aos que a visitam. Em frente a nós, um casal com duas filhas. A mãe, jovem, bonita, cabelo comprido, corpo bronzeado. O pai, mais velho, calmo, reservado, barba curta e porte atlético. As duas filhas, franzinas, aparentando os oito anos uma, e a outra mais nova, talvez um quatro anos. Ao lado, uma senhora mais velha, também da família, cabelo curto e grisalho, talvez a mãe da jovem. E ainda uma outra jovem que, sentada e muito calada, não tirava as mãos, nem os olhos do telemóvel, jogando Pokemon, ou trocando mensagens com um amor interrompido pelas férias em Portugal. O funcionário da pastelaria aproxima-se e pergunta o que vão desejar. Apercebo-me que falam em francês e o funcionário tem dificuldade em compreender. Mas a senhora mais velha, de cabelo grisalho, fala português e fica tudo resolvido em relação ao que pretendem consumir. Até aqui, nada de anormal. Jovens franceses, possivelmente filhos de emigrantes portugueses que estão a passar férias em Portugal. Mas que já não falam português.
Mas há alguém que não está satisfeito com a situação. É a menina de oito anos que começa a falar com a mãe num tom que esta entende não ser o mais adequado. A mãe arregala os olhos para a filha e esta, durante uns breves segundos, fica calada. Mas logo volta à carga, dizendo qualquer coisa que não entendi. A mãe levanta discretamente a mão, como quem diz: “Se não te calas, ainda levas!.” A criança voltou a calar-se e dali a pouco, começou a dar pontapés disfarçados à mãe, por baixo da mesa. Não eram bem pontapés. Encostava o seu pé à perna da mãe, mostrando que não estava de acordo com qualquer decisão, anteriormente tomada, talvez em relação ao que tinham pedido. Eu, de forma disfarçada, olhava e estava curioso relativamente ao desfecho final. A meu lado, um casal de meia idade estava também curioso. O pai da criança, muito calmo, nada dizia. E, numa tentativa derradeira, de conseguir os seus objetivos, a criança desata a chorar. Agora, é que eram elas! O choro contínuo e perturbador chamava a atenção de todos. A avó (presumo que fosse avó) que falava português, levanta-se e diz umas palavras em francês, que me atrevo a traduzir: “Que vergonha,! Uma menina da tua idade a chorar! Não tens vergonha nenhuma! Está toda a gente a olhar para ti!” E enquanto pronunciava estas palavras, ia limpando as lágrimas da criança, que continuava a chorar ainda mais, entre lágrimas abundantes e soluços intermitentes. Não resolvendo nada, a avó voltou a sentar-se. E a criança continuava a chorar e a incomodar as pessoas que estavam próximas. Eu, atento ao desfecho deste episódio, quase nem olhava, ou se o fazia era já de uma forma ainda mais discreta e envergonhada. O choro era cada vez mais intenso. Passados uns instantes, o pai, que até então nada tinha dito ou feito, aproxima-se suavemente da filha, segreda-lhe qualquer coisa ao ouvido, estende-lhe a mão, enquanto dá a outra mão à outra filha e saem os três para a Avenida Central. Ainda os vi a subir a avenida, mas logo deram a volta, talvez devido ao calor intenso que se fazia sentir neste dia. Desceram a avenida. Perdi-os de vista. Passados uns cinco, dez minutos, regressaram os três, calmos, muito calmos. Sentaram-se e tudo voltou ao normal.
E eu fiquei a pensar. Foi o bom senso daquele pai, que até então nada tinha dito ou feito, que tudo resolveu. Quando já se adivinhava que a solução era mesmo umas boas palmadas no rabo daquela menina caprichosa que queria levar avante a sua birra. É o que falta muitas vezes nas atitudes que tomamos: bom senso.
Mas pus-me a pensar mais um pouco. Só o bom senso seria suficiente para acalmar a criança! Não haveria mais nada!?
E cheguei à seguinte conclusão: O bom senso, aliado ao passeio pelos canteiros floridos da Avenida da Liberdade, a possível conversa sobre as flores belíssimas, que este ano nos saúdam com as suas cores garridas, vermelhas e amarelas, ajudaram a resolver este conflito. É caso para dizer: “Muitas das decisões que se tomam só precisam de bom senso, misturado com uma dose equilibrada de (sobre) flores”. E se estas tiverem a magia das do jardim da Avenida Central de Braga, ainda melhor.
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