O fim da alternância
Ideias Políticas
2019-02-26 às 06h00
Passou-se pouco mais de um ano dos terríveis incêndios de 15 e 16 de Outubro de 2017, tragédia, essa, que para além de ter deixado profundas marcas de norte a sul do país, marcou e marcará para sempre, pelos piores motivos, a memória de todos os bracarenses.
Ninguém jamais esquecerá, certamente, a enorme e ameaçadora cortina de fogo que parecia aprestar-se para consumir toda a cidade e muitos foram os que temeram o pior.
Nas semanas seguintes, este tema dominou a actualidade. Não havia café, pastelaria, restaurante ou qualquer outro ponto de encontro de amigos, conhecidos ou colegas de trabalho, onde não se ouvissem histórias e relatos de medo, de terror absoluto e de incontrolado desespero por parte de muitas e muitas pessoas a quem o fogo entrou, quase literalmente, casa adentro.
A verdade, é preciso dizê-lo, é que nesse assustador fim-de-semana em que o Distrito foi varrido por mais de sessenta incêndios, houve, apenas, a registar perdas materiais por mero acaso, por manifesta sorte e também, verdade seja dita, pelo empenho abnegado de muitos populares que, em actos da mais pura solidariedade e altruísmo, entregaram o melhor de si, ajudando como podiam as forças da protecção civil municipal e dos concelhos vizinhos, a combater as chamas que pareciam surgir de todo lado.
Sobre a atuação do dispositivo municipal de protecção civil neste incêndio, nesta colossal tragédia que não tendo, felizmente, representado perda de vidas humanas, registou enormes perdas materiais e ambientais, não posso deixar de censurar, de forma vincada e veemente, a decisão da Câmara Municipal de Braga de, após o alerta vermelho do SIOPS (Sistema Integrado de Operações de Protecção e Socorro), atempadamente comunicado, não ter sido capaz de mobilizar, tal como se encontra postulado na lei nos casos de alerta vermelho, o mais grave, cem por cento do efectivo do Serviço Municipal de Protecção Civil.
A este respeito, a Câmara de Braga escudou-se, refugiou-se num argumento de natureza técnico-jurídica, orçamental, para justificar a não mobilização, como se impunha, de cem por cento do efectivo do serviços municipais de protecção civil, mas é preciso dizer-se, alto e bom som e sem tibiezas, que em face de situações de catástrofe, de tragédia eminente, como era o caso, a decisão tem de ser política e tem de ser imediata, lançando mão de tudo, de todos os instrumentos e ferramentas que houver disponíveis para proteger as pessoas e para procurar salvar os seus bens. Convenhamos que, face ao quadro de urgência e excepção que a situação representava, todas as outras questões como os orçamentos, os pagamentos, as horas extraordinárias são questões absolutamente menores, laterais, miudinhas e para às quais, à posteriori, certamente com o acordo e aplauso de todos, se encontrarão as soluções adequadas.
Infelizmente, o tema Protecção Civil, em Braga, não é, sequer, um tema novo. Recordo-me bem de há uns anos e a pretexto de um incêndio na fachada do Hotel Meliã, combatido com recurso a uma plataforma de um concelho vizinho, o PSD, já na altura liderado por Ricardo Rio, ter feito cair o carmo e a trindade e obrigado, até, à realização de uma Assembleia Municipal Extraordinária.
Diga-se, a bem da verdade, que nessa altura o Partido Socialista também não esteve, na minha opinião, à altura da situação e, usando da maioria que detinha nesse órgão, lançou mão de um expediente regimental para levar a discussão para a Comissão Especializada de Protecção Civil da Assembleia Municipal, procurando esvaziar, desvalorizar um debate quente e difícil, mas que, tanto à data, como nos dias de hoje continua a ser necessário e urgente fazer.
A título de exercício de memória, e apenas a esse título, recordo-me bem de Ricardo Rio, em grandes parangonas, como é seu estilo, anunciar que consigo a Protecção Civil não mais seria o parente pobre do Executivo Municipal. A verdade, infelizmente, é que tirando algumas alterações orgânicas e de funcionamento aos serviços municipais de protecção civil, muito continua por resolver, muito continua por fazer, sendo opinião comumente aceite que há falta de meios, de equipamentos e de recursos humanos, sendo a actual estrutura e o actual nível de investimento manifestamente curto para proteger e salvaguardar uma cidade da dimensão de Braga, como, aliás, ficou caba- lmente comprovado no recente incêndio na Rua do Carvalhal, em pleno casco urbano.
Este quadro é grave, demasiado grave, sobretudo quando a actual Câmara Municipal, o actual Executivo Municipal, ao longo dos últimos cinco anos desbaratou, torrou milhões, sim, leu bem, milhões de euros em eventos, encontros, festas e certames, muitos deles de qualidade duvidosa. O mundo mudou. As alterações climáticas e o aumento da temperatura global são uma realidade de ontem. Até 2016, nunca em Portugal tínhamos tido situações de alerta vermelho para casos de risco de incêndio, mas tanto em 2017, como em 2018, tivemo-los e o cenário que temos pela frente é de que as coisas tendam a piorar.
Hoje, alguns dos maiores especialista na matéria, falam de incêndios 6.0. Aliás, um colectivo de bombeiros espanhóis, portugueses e californianos que, há tempos, estudaram os incêndios portugueses, os da Galiza e os da Califórnia, nomeadamente o da pequena Vila de Paradise, coincidiram num factor determinante em todas as três tragédias: a velocidade de propagação do fogo, factor que tornou inúteis muitos dos seus esforços.
Tal facto é, também, reforçado pelo relatório de Cooperação Transfronteiriça para a Prevenção e Extinção de Incêndios no Eixo Atlântico que diz muito claramente que: “... a velocidade de propagação das chamas não é uma coincidência, mas a norma no futuro destes desastres”. "Estamos perante uma tipologia de fogos de sexta geração, cuja livre intensidade lhes permite dominar a meteorologia da área circundante, criando condições extremas de tempestade e propagação".
É mais do hora de pensarmos nisto. De reflectirmos a sério, de pensarmos a fundo, com rigor, independência e responsabilidade a problemática da protecção civil no Concelho de Braga.
Mas fazê-lo bem, como tem de ser. De forma elevada, sem tricas partidárias, sem atirar de culpas ou responsabilidades; procurando, apenas, o terreno comum que garanta que, perante situações de tragédia, os Bracarenses terão, à sua disposição e em sua defesa, uma melhor resposta, um melhor combate.
Se o não fizermos, não só não estaremos à altura das funções que desempenhamos, como quiçá um dia, que, obviamente, esperemos que nunca chegue, poderemos, enquanto responsáveis municipais, ter de nos deitar com a consciência pesada.
O tempo é hoje, ontem era tarde e se deixarmos para amanhã as consequências podem vir a revelar-se absolutamente nefastas.
19 Março 2024
19 Março 2024
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