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Brincar na rua é magia que contagia

A responsabilidade de todos

Brincar na rua é magia que contagia

Voz aos Escritores

2020-01-24 às 06h00

Fernanda Santos Fernanda Santos

Tarde?
O dia dura menos que um dia.
O corpo ainda não parou de brincar
e já estão chamando da janela:
É tarde.
Drummond, Brincar na Rua
Quem cresceu nos anos sessenta certamente recorda, com saudade, aquelas tardes de brincadeira na rua. Era tanta a brincadeira que as horas nunca eram suficientes. Ficava sempre a impressão de que quando finalmente chegava o ponto alto do “esconde-es- conde” ou da “apanhada”, todas as mães da rua apareciam às janelas e gritavam ser “tarde”, ou seja, era hora de recolher. Nós íamos brincar na rua com uma única condição: voltar para casa ao anoitecer. Era incrível!
Por isso, não tenhamos dúvidas, as crianças precisam mesmo de rua. Como professora, atrevo-me a afirmar que as crianças precisam de rua tal como precisam de escola. As crianças aprendem na rua e aprendem com a rua. A rua coloca perguntas, problemas e também desafios. Proporcionar espaços abertos para que as crianças possam correr livremente torna-as mais ativas e com reservas de energia para realizar qualquer tarefa. Qualquer criança quer tocar em tudo, experimentar, sentir, rir, aprender … Se a forçarmos a estar quieta, a não sair da cadeira, o que teremos é uma criança que não se atreverá a explorar o mundo lá fora.
Podemos assim dizer que vivemos num estado de pavor parental. Damo-nos conta que o medo é um manto que nos cobre e molda a maneira como lidamos com as nossas crianças e jovens desde o seu nascimento. É logo ali no hospital que uma pulseira identificativa lhes é colocada no seu pulso, para evitar que se percam ou sejam raptados. É o medo que nos torna inseguros e pouco corajosos. Por isso, as brincadeiras na rua podem restaurar o espírito de aventura e de experimentação. Aliás, um arranhão num joelho é bem menos perigoso que um airpod no estômago.
Brincar ao ar livre estimula a integração social, mas é necessário que as crianças interajam realmente umas com as outras e desenvolvam atividades coletivas. Para tal, não devem levar os seus telemóveis ou outros jogos eletrónicos quando vão brincar para a rua.
Encaminhar as crianças para o exterior sem brinquedos permite-lhes inventar as suas próprias brincadeiras, estimulando a imaginação. Quando estão num ambiente em que nem tudo é controlado, acabam por aprender a lidar com imprevistos e a ter de encontrar soluções.
E como é bom recordar essa criança feliz! Sim, porque uma criança feliz é uma criança traquinas, inquieta, curiosa e alegre, tal como podemos ler nesta quadra do poeta António Aleixo.
Ao ver um garotito esfarrapado
Brincando numa rua da cidade,
Senti a nostalgia do passado,
Pensando que já fui daquela idade.
É essa alegria que nos contagia, que Fernando Pessoa tão bem nos transmite na seguinte estrofe:
Quando as crianças brincam
E eu as oiço brincar,
Qualquer coisa em minha alma
Começa a se alegrar.
É verdade, na rua, aprende-se a alegria, a liberdade e a lidar com os fracassos e os sucessos, respeitando os outros, contribuindo, assim, para o seu desenvolvimento integral. Educar integralmente significa desenvolver uma atitude crítica e valores morais, para que as crianças possam identificar a diferença entre certo e errado e, então, construírem uma personalidade saudável. Saliente-se, deste modo, a importância do esforço e das conquistas por mérito próprio. No seu mundo de fantasia em que os brinquedos ganham vida, depois de algum tempo, os papéis invertem-se e elas aprendem a vida real.
Tenhamos, então, sabedoria para aceitar o novo tempo, as novas modas de roupa, os novos cortes de cabelo, mas não desperdicemos a natureza nem as coisas simples da vida. Que as crianças cresçam a saborear um bom banho de chuva; na beleza que é ver um trilho de formigas carregando um peso maior que seu próprio corpo e a darem o exemplo do empenho no trabalho e no grupo; no poder da lua em influenciar os partos, os cabelos e a força das marés; e principalmente na magia que existe em observar um arco íris a formar-se e a enfeitar o céu após uma grande tempestade.
E como o tempo não para, aproveitemos bem a vida desde o berço, tal como nos sugere o poeta António Gedeão em ”Fala do Homem Nascido”:
Venho da terra assombrada,
do ventre de minha mãe;
não pretendo roubar nada
nem fazer mal a ninguém.
Só quero o que me é devido
por me trazerem aqui,
que eu nem sequer fui ouvido
no acto de que nasci.
Trago boca para comer
e olhos para desejar.
Com licença, quero passar,
tenho pressa de viver.
Com licença! Com licença!
Que a vida é água a correr.
Venho do fundo do tempo;
não tenho tempo a perder.

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