Correio do Minho

Braga, quinta-feira

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Cidadãos imperfeitos

Braga - Concelho mais Liberal de Portugal

Ideias

2015-03-08 às 06h00

Artur Coimbra Artur Coimbra

1 É incontornável, como se diz por estes dias, que abordemos o assunto que domina a política nacional desde há mais de uma semana. Passos Coelho tem demonstrado uma leviandade no tratamento das suas relações contributivas com a Segurança Social, no passado, que levaria qualquer cidadão a demonstrar, pelo menos, ter um pingo de vergonha, que é coisa que escasseia no homem que hoje ocupa o lugar de primeiro-ministro e que assobia para o lado, como se o seu mau exemplo não fosse um rude golpe na credibilidade do relacionamento de alguns políticos com as instituições.
Quanto mais fala do assunto, mais se enrosca, mais se enreda, mais se ensombra, parecendo que tem pavor de assumir os erros passados, em que acumulou dívidas na Segurança Social entre 1999 e 2004 e foi alvo de pelo menos cinco processos de execução fiscal, entre 2003 e 2007. Um cadastro que deveria envergonhar um político que praticamente não fez mais nada na vida, que aprovou como deputado leis que depois disse desconhecer e vem agora com supina e displicente “lata” arranjar desculpas de mau pagador.
Ao jornal Sol deste fim-de-semana, o primeiro-ministro admite que “houve anos” em que entregou “declarações e pagamentos fora de prazo com coima e juros, umas vezes por distracção, outras por falta de dinheiro”.
E já antes, nas Jornadas Parlamentares do seu partido, que são sempre momentos para lavar o ego político com Neoblanc, tinha afirmado que não se tratava de um “cidadão perfeito”, o que acaba por ser uma absoluta redundância.
Que Passos Coelho não é um “cidadão perfeito” sabem-no os portugueses desde que lhe deram as rédeas do poder vai para quatro anos, e em que foram rotundamente ludibriados pela personagem, que fez do seu programa de governo o contrário do que prometera: não aumentar impostos, não cortar salários e pensões, defender o que é público. Adoptando as medidas da tróica como ideário governamental, mas indo além das exigências dos credores, martirizando ainda mais a vida dos cidadãos, provocando mais falências, mais desemprego, mais emigração, vem agora o “cidadão imperfeito” clamar uma inocência em que só ele acredita.
E numa “bicada” indirecta a Sócrates, Passos referiu que não se aproveitou do cargo de primeiro-ministro “para enriquecer”, “fazer favores” ou condicionar jornalistas, o que francamente falta saber. Só o futuro dirá, como aconteceu com o preso nº 44 da cadeia de Évora. A imunidade e a impunidade apenas se extinguem quando os detentores do poder passam a cidadãos comuns.
Este assunto, é claro, ainda não está cabalmente esclarecido e nada tem de “ataque pessoal”, como quer fazer crer o visado, agora armado em vítima do seu próprio passado incumpridor e relaxado. Pode não dever nada nesta altura mas já deveu. E a figura de primeiro-ministro não pode estar manchada com os labéus que diariamente a comunicação social transmite.
A questão que se pode colocar é a de saber se não deverá ser instituído um sistema de escrutínio do passado dos candidatos aos mais altos cargos da Nação, no sentido de apurar o seu comportamento adentro das normas legais ou a sua conduta de aldrabice, de fuga aos impostos ou às obrigações legais, ou a prática de outros ilícitos, susceptíveis de penalizar quem não evidencie uma conduta proba, honesta e limpa.
O que se está a passar com Passos Coelho é inaceitável: aquele homem não tem condições para ser primeiro-ministro, até pelo péssimo paradigma em que se atola de cidadão que não cumpre, que se esquece das suas obrigações, que não paga quando deve, que revela um comportamento intolerável para quem quer singrar na vida política. E que, no exercício do poder, tem sido o mais rigoroso arauto do rigor e da penalização dos portugueses que não cumprem, em resultado das políticas que o governo leva a cabo.
É evidente que ninguém de bom senso espera que ele próprio se demita, tal o seu irrefragável apego ao poder, desde que começou a falar grosso sobretudo com os mais fracos, os mais débeis, aqueles a quem cortou o rendimento social de inserção em percentagem muito superior à que a tróica determinara; como também só por inusitado cenário de ficção científica alguém acreditaria que o pior presidente da República desde o 25 de Abril, abono de família do governo nas horas de naufrágio, tomasse a decisão patriótica que se impunha, em face de quem não cumpre ou de quem “irrevogavelmente” prejudica o país em muitos milhões de euros e anda por aí a feirar a demagogia e o trocatintismo.
2 Está visto que este país tem demasiada tentação para os “homens imperfeitos”.
Há dias foi o líder da oposição e putativo candidato a primeiro-ministro, António Costa, em cenário de assistência chinesa, na Póvoa de Varzim, a elogiar o “tempo diferente” destes últimos anos, o que foi entendido genericamente como aplauso ao governo que, cá fora, verbera, num exercício de incongruência e ingenuidade que não abona nada em quem se prepara para aceder a S. Bento, dentro de poucos meses.
É claro que não mentiu, não se esqueceu de cumprir as suas obrigações, não teve lapsos de conveniente memória, mas há que esperar outra coerência, outro rasgo, outra esperança do líder do PS, em quem grande parte dos cidadãos deposita a expectativa de uma mudança da situação política, económica e social, para bem melhor do que aquele em que nos encontramos, apesar da insistente propaganda governamental fazer crer ao povoléu que já estamos no “oásis”, quando ainda nem levantámos a cabeça!...
“Homens imperfeitos” há-os, neste país, aos montes. Na vida política, na vida económica, no sistema financeiro. Vejamos esses ídolos de pés de barro chamados Henrique Granadeiro e Zeinal Bava, para referir alguns. Ou os gloriosos administradores do BES que, depois do que já se conhece, com a infindável lista de crimes como gestão ruinosa, fraude, burla, manipulação de contas e falsificação de documentos, com prejuízos drásticos para a economia nacional, ainda ninguém foi sequer preso…
E outros exemplos se poderiam juntar, mas os leitores têm deles conhecimento pelo quotidiano dos media.

3 Só esperamos que esta saga que nos coube em desdita, não venha a engrossar as condições para o surgimento messiânico de algum “homem perfeito”, ou providencial, ou “salvador”, de que há já diversos e execráveis exemplos na história de Portugal.
Não podemos deixar de considerar colectivamente que, apesar de tudo, de todos os erros e distorções, a pior democracia é sempre preferível à melhor das ditaduras.

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