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Recomendações da dona Cecília

Escreve quem sabe

2020-01-20 às 06h00

Álvaro Moreira da Silva Álvaro Moreira da Silva

A dona Cecília explicava e eu escutava: pão ensopado em vinho azedo, caseiro, serve de petisco para as aves do galinheiro e, também, de ingrediente nobre para as sopas com favas. Enquanto aguardava na fila do pão, aproveitei para ouvir a senhora, que debatia as suas ideias com a funcionária da loja. Indagadora, a senhora continuava o discurso pouco poético. Perguntava agora sobre a possibilidade de um desconto, caso comprasse sobras de pão antes do fecho da loja. Se não fosse possível, ou se, porventura, esse pão não fosse vendido, tinha curiosidade em saber qual o seu destino.

Por achar interessante a situação, abordei-a no final do meu pedido, tentando perceber um pouco do contexto da sua conversa e até escutar a sua opinião sobre o assunto. Para meu espanto, começou por me falar da sua terra e dos hábitos alimentares da sua geração. Mostrando-me as mãos calejadas, jurou ter cultivado a terra que a alimentou toda a vida, e ter puxado arados e juntas de bois. Assegurou ter lançado as sementes que deram fruto à sua família e aos seus animais. Nas raras vezes em que o produto da terra sobrara, sempre o tinha congelado para dias vindouros. Aquilo que fosse retirado em piores condições servia de fertilizante. E, por incrível que pareça, afirmava comprar, num outro supermercado, sacos com sobras de pão ressesso a preço de saldo, algo que ali supostamente não acontecia.
Entusiasmado, continuei a escutar aquela simpática senhora, que me dava uma lição de vida, de culinária e até de negócio. Discutimos temas complexos de uma forma simples, como poupança, sustentabilidade e desperdício, tentando estabelecer uma comparação entre a sua geração e a atual. Durante a conversa, foquei-me no desperdício, tentando escutar a sua humilde opinião sobre o assunto.

Recentemente, participei numa curta reunião, não tão específica em termos de negócio, mas com um conjunto de profissionais e especialistas na área de retalho. O tema estava relacionado com diversos desafios de uma organização árabe. No meio de diversos tópicos, relevou-se um, curioso, relacionado com a complexa gestão de inventário de produtos que teriam de ser transformados noutros. Curiosamente, acabámos por falar exatamente do pão e da importância de o transformar e potenciar, tudo numa perspetiva de produção e venda de pão ressesso para camelos. Ainda não tive oportunidade de explorar esta questão a fundo, porque a reunião foi interrompida, mas prevejo uma animada discussão para breve na companhia dos meus colegas.

Penso na sensibilidade e rigor atuais das grandes organizações retalhistas, não só para a contínua melhoria das suas políticas de gestão de perda e desperdício, mas, também, para a promoção de mais e melhores iniciativas de sensibilização dos consumidores relativamente a estes temas. São exemplo iniciativas como o projeto “Transformar-te”, da Sonae, iniciado em 2016, com propostas de combate e valorização de perdas. Evidenciam-se nele mecanismos que permitem, por exemplo, a redução de preços no final do dia tendo em vista o escoamento de produtos; mecanismos de transformação de produtos, ainda em condições de consumo, noutros vendíveis; e, ainda, mecanismos de doação a instituições sociais ou de disponibilização em áreas sociais.

Regressando à dona Cecília, que se despediu de mim com um valente sorriso, é verdade que a mesma deixou por lá um conjunto de recomendações muito pertinentes, mas, além de mim, ninguém lhe prestou atenção. Sugeriu que não se alimentasse o lixo, mas que se doassem os produtos aos pobres. Partilhou também a ideia de se criarem novos produtos a partir de outros em fim de vida ou de se reduzirem os preços durante o dia, utilizando também processos mais eficientes de identificação, recolha e transformação. Por exemplo, pre-embalando sacos de pão para as suas galinhas ou até criando diferentes gamas de congelados de pão a preços mais acessíveis. A rendibilização de produtos tão nobres e tão lucrativos como o pão, assim como outros tantos perecíveis, serviria para a loja lucrar mais, combater perdas e desperdício, e, ainda, alimentar animais e pessoas a preços mais convidativos.

*com JMS

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