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Serviço público, política e amizade

Braga - Concelho mais Liberal de Portugal

Ideias

2015-05-12 às 06h00

Jorge Cruz Jorge Cruz

Os elogios de Passos Coelho a Dias Loureiro não são apenas uma mera bizarrice do Primeiro-ministro. Correspondem também a uma forma de estar na política, a uma interpretação do que é a ética política, enfim, de uma infame tentativa de branqueamento e recuperação de um dos envolvidos nas maiores trapalhadas financeiras registadas em Portugal nos últimos anos.

É minha convicção, embora sem pretender fazer juízos de intenção, que a atitude de Passos Coelho não correspondeu a um momento emocional. Se não vejamos:
O Primeiro-ministro proferiu os elogios em Aguiar da Beira, terra natal de Dias Loureiro, e na inauguração da queijaria de um compadre do antigo ministro. Não tenho memória de qualquer estabelecimento do género ter merecido a honra de ser inaugurado por um chefe de governo…Depois, os encómios dirigidos ao seu amigo e companheiro de partido, apontando-o como exemplo de “empresário bem-sucedido”, são ignóbeis na medida em que tentam apresentar uma imagem que não corresponde à realidade. Por tudo isso, não creio que se tenha tratado de um descuido, como alguns tentaram fazer passar. Não, no período de pré-campanha em que já vivemos as encenações são atempadamente preparadas, nada é deixado ao acaso.

Estamos, portanto e claramente, perante um quadro em que o Primeiro-ministro experimenta a recuperação do seu amigo de longa data, agora também com interesses na editora que publicou há dias a biografia autorizada de Pedro Passos Coelho. O problema é que o epíteto de empresário bem-sucedido não é compaginável com os resultados da actividade empresarial desenvolvida recentemente por Dias Loureiro.

As informações divulgadas nos últimos dias por diversos órgãos de informação apontam, aliás, em sentido oposto àquilo que Passos Coelho proclamou: Dias Loureiro é associado a trapalhadas e buracos de largas dezenas de milhões de euros no grupo SLN/BPN e as suas empresas apresentam prejuízos em vez de lucros.

De facto, e citando a revista Visão, a holding pessoal de Dias Loureiro, da qual é administrador único e sem registo de funcionários, apresentou em 2013 um prejuízo de 253 mil euros. E o passivo atingiu 2,2 milhões! Convenhamos que o passado recente do antigo conselheiro de Estado, função de que aliás se demitiu devido às embrulhadas do SLN/BPN, não encaixa na caracterização que Passos fez do seu amigo.

Mas a cereja no cimo do bolo será porventura a questão do património do “empresário bem-sucedido”. Através das investigações efectuadas e que levaram Dias Loureiro a ser constituído arguido por suspeitas da alegada prática dos crimes de burla e falsificação de documentos, ter-se-á ficado a saber que o ex-político praticamente nada tem de seu: os imóveis estarão registados em nome de familiares ou de empresas em offshores.

Este é apenas um esquisso do retrato de Dias Loureiro, o homem que há menos de dois meses se tornou administrador de uma SGPS que é presidida por um enteado do Presidente José Eduardo dos Santos, o que o leva a passar a maior parte do seu tempo em Luanda, conforme confessou ao Expresso Diário.

Por todas estas razões, confesso que fico muito preocupado quando vejo o Primeiro-ministro do meu país a apontá-lo como exemplo paradigmático de empresário de sucesso, enfim, como modelo a seguir. Mas imagino como terão ficado os verdadeiros empresários, aqueles que sentem na pele as agruras de uma actividade que, diga-se em abono da verdade, também tem sido fustigada pelas políticas impiedosas do governo de Passos Coelho. E, no plano pedagógico e da motivação, as palavras encomiásticas do Primeiro-ministro fazem algum sentido? Creio que não, bem pelo contrário. Isto para já nem falar do desprezo que manifesta por todos os que foram vítimas do processo SLN/BPN, ou seja, todos os portugueses que, com os seus impostos, estão a cobrir os prejuízos.

E o meu desassossego tem muito a ver com o significado do acto em si, do embuste que as palavras encerram mas, principalmente, com esta postura, uma atitude reveladora de uma forma de estar no serviço público que não se coaduna com a indispensabilidade de regenerar a política e os seus protagonistas.

A classe política carece, efectivamente, de ser reabilitada de modo a que se consiga, tão rapidamente quanto possível, uma revivificação desta nobre actividade. Obviamente que os políticos em funções públicas têm de ser exemplares, sob todos os pontos de vista, mas as suas responsabilidades e obrigações aumentam na justa medida do poder que detêm. Tenho consciência que Passos Coelho está longe da perfeição, como de resto ele próprio admitiu quando confrontado com confusões relativamente ao seu passado fiscal. Mas, que diabo, de um Primeiro-ministro espera-se bastante mais, espera-se que se esforce, que fale sempre verdade, que tenha bom senso e que, quando em funções públicas, nunca coloque as amizades, interesses particulares ou partidários em primeiro lugar. É também por esse motivo, pelo que encerra quanto à forma de estar na política, que este caso me inquieta.

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