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Ideias
2018-12-14 às 06h00
O papel do movimento sindical foi, sem dúvida, uma das conquistas relevantes do Portugal democrático. Na ordem corporativa do regime de Salazar, a sua autonomia era fictícia, e só depois do 25 de Abril foi elaborada a legislação que permitiu a sua atuação no sentido de uma contribuição efetiva para a maior garantia dos direitos dos trabalhadores, detendo um papel positivo na redistribuição dos rendimentos.
Dominado por duas centrais sindicais, a CGTP e a UGT, não se conhece de forma rigorosa a sua implementação e representatividade, ainda que parece razoável poder afirmar-se que a primeira detém uma importância mais significativa no setor industrial, e a segunda nos serviços, ainda que se tenha vindo a expandir para outros setores. A interface entre as centrais sindicais e os partidos políticos é relativamente clara; qualquer breve incursão histórica mostra a primazia do PCP desde a criação da CGTP nos idos da “primavera marcelista”, e do PS e PSD na UGT. Em geral, os dirigentes eleitos têm filiação partidária, ainda que alguns estudiosos do movimento sindical sugiram um sindicalismo situacionista, tendencialmente apolítico e próximo do poder político no caso da UGT (Castanheira, 1985).
Com o tempo, a situação foi-se tornando mais complexa, com inúmeros sindicatos novos, múltiplos, curiosamente a par de uma quebra muito clara na taxa de sindicalização no setor empresarial, que rondaria apenas os 11% por 2010, e uma atividade cada vez mais marcadamente ao nível da intervenção política. Um trabalho de P. Portugal e Hugo Vilares, de 2013, chama a atenção para o facto que, em Portugal, os salários base de cerca de metade dos trabalhadores serem influenciados por acordos salariais onde a representatividade sindical é inferior a 5%; a maioria dos trabalhadores sindicalizados são homens, licenciados e com contrato de trabalho sem termo. De acordo com esses autores, o prémio sindical, ouseja ganhos salariais, existe, refletindo o poder negocial dos sindicatos, mas provavelmente porque está associado a empresas de maiores dimensões, de capitais públicos, em setores protegidos da concorrência, e a trabalhadores com salários mais altos.
Os economistas tendem a olhar para os sindicatos com alguma ambiguidade teórica. Por um lado, atuam no sentido de fazer subir os salários dos profissionais que representam, bem como de complementos e benefícios diversos, e isso obviamente é positivo. No entanto, contribui para um aumento na dispersão dos salários, e logo na desigualdade – entre empresas e entre setores, mas também entre profissionais, dado o maior ou menor poder de mercado dos sindicatos. Se porventura a discussão salarial incidir sobre profissões, independentemente dos profissionais, o incentivo a aumentar a produtividade, o esforço ou a qualidade de desempenho individual tende a diminuir. Curiosamente, alguma da literatura indicia ainda que a dispersão salarial com base no género se tende a manter.
Nas útimas décadas a desigualdade na distribuição de rendimentos tem vindo a alargar-se na generalidade das economias dos países desenvolvidos. Não parece contudo justificável, com base nos estudos desenvolvidos, que tal esteja correlacionado com a tendência para uma menor taxa de sindicalização por parte dos trabalhadores, alguma deterioração no poder efetivo dos sindicatos, ou em termos genéricos a relações industriais. O aumento na desigualdade tem vindo a decorrer do acentuado progresso tecnológico e da globalização , que trouxe novo países á divisão internacional do trabalho. O progresso tecnológico acentuou a necessidade de profissionais com níveis educacionais mais sofisticados e exigentes, e remunerações mais elevadas. Por outro lado, a globalização contribuiu para uma melhoria nos níveis de vida de muitas populações , em termos mundiais, e para a saída da pobreza extrema de muitos milhões de pessoa (entre 1990 e 2013, o número de pessoas a viver em pobreza extrema – com um rendimento abaixo dos 1,6 € pessoa/dia – passou de 35% da população mundial (1850 milhões) para 10,7% (767 milhões); no sudeste asiático, a redução foi drástica, passou-se de quase 60% para 3,5% dos habitantes) mas sem dúvida colocou restrições salariais em setores de menor valor acrescentado , dada a competitividade crescente de países muito abundantes em mão de obra indiferenciada, e logo com salários baixos. Os perdedores, nesta fase de acentuada globalização e progresso tecnológico, confrontam-se com a necessidade de os países, os governos, as empresas conseguirem construir e implementar políticas pública adequadas a uma mais correta redistribuição de rendimentos, capaz de potenciar maior produtividade e premiar o desempenho.
O momento em que vivemos, com os perigos historicamente identificados de protecionismo e populismo exarcebado, exige também por parte do sindicalismo uma actuação consistente, transparente e ética. Confesso que não gosto de monopólios, venham de onde vierem. Seja o poder de mercado que permite retribuições salariais incorretas e injustas, socialmente indutoras de disrupção, seja o poder de mercado também que permite a utilização dos mais fracos, dos doentes, dos presos, e de tantos outros, enquanto instrumentos de resolução de problemas setoriais, por muito justos que sejam. Não gosto de monopólios. Seja o poder de mercado excessivo que permite a fixação de salários abaixo do socialmente justo, não traduzindo a correspondência entre o desempenho , o envolvimento, a qualidade do trabalho prestado, num quadro equilibrado e não indutor de desigualdades , seja o poder de mercado que permite a utilização dos mais fracos, dos doentes, dos estudantes, e de tantos outros numa escala económica e social que os fragiliza, para obter vantagens individuais e profissionais, por muito justas que porventura sejam.
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