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(Talvez) Compreender a Dor

Os bobos

(Talvez) Compreender a Dor

Escreve quem sabe

2019-04-09 às 06h00

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Viver com dor. Muito pode surpreender esta frase. Ou, então, muito pode dizer esta frase, pois pode significar que a dor já foi integrada na vivência do dia-a-dia. Ou não. Poderá ser apenas um lamento de exaustão de quem já não encontra alternativa. Ou ainda não. Poderá também ser o início de um desconforto, ou de um processo doloroso. Ou não. No fundo, não é bem certo o que esta frase quer dizer, pois a dor é de quem a sente, e apenas quem a sente é que poderá explicar o que ela significa.
A dor é um conceito algo abstrato, difícil de ser definido. O seu significado difere de pessoa para pessoa, pois todos nós somos diferentes. Pensamos de maneira diferente. Sentimos de maneira diferente. Emocionamo-nos de maneira diferente. Reagimos de maneira diferente. E exteriorizamos de maneira diferente. Assim, a dor é multidimensional e a sua experiência pode depender da cognição, da maturidade emocional, da sensibilidade, de experiências anteriores, da espiritualidade ou até da resiliência. E de muitos outros fatores, tendo em conta que cada uma das nossas vidas é também regulada por muitos outros aspetos – diferentes para cada um de nós.

Outra condição essencial a ter em conta é que a dor, atualmente, é considerada um sinal vital. A par da tensão arterial, do pulso, da respiração e da temperatura, a dor pode ser medida e quantificada e, se a pessoa apresentar dor, ou se esta se encontrar desestabilizada, pode existir uma possibilidade de não sobrevivência. A pessoa encontra-se fragilizada de tal forma que é colocado em risco a continuação da vida.
O significado da dor tem variado ao longos dos anos e das épocas. Hoje em dia não é colocado em causa o facto de que existem tratamentos eficazes para a dor; há duzentos anos atrás não existia esta perspetiva, sendo a dor muitas vezes misturada com a visão religiosa de manifestação de pecado ou castigo divino. Nos dias que correm também é expetável que a sociedade aceite a exteriorização de diferentes tipos de dor, os quais, para este pedaço de texto, podemos arrumar em dores físicas, dores mentais, dores emocionais ou até dores espirituais. Todas elas dores importantes, e todas elas capazes de implicar sofrimento.

Os tratamentos e remédios utilizados também foram mudando com as épocas. Há umas centenas de anos dava-se grande valor à papoila, às suas propriedades analgésicas e soporíferas, assim como ao seu resultante ópio, que causava grande dependência e habituação. O láudano também foi utilizado no controlo da dor, assim como no controlo de doenças consideradas nervosas; a cidreira, o meimendro, a valeriana ou a raiz de mandrágora também foram utilizados como analgésicos, e alguns deles são usados ainda nos dias atuais. A morfina, isolada do ópio no século XIX, trouxe uma grande revolução no que diz respeito ao controlo da dor, assim como o desenvolvimento do primeiro antipsicótico na década de 50 do século XX, que veio revolucionar a forma de controlo da sintomatologia de doença mental.

Nos últimos anos tem-se assistido a uma combinação de diferentes tipos de tratamentos no controlo da dor. A integração das terapias consideradas alternativas naquilo que é a saúde ocidental tem crescido - e, a meu ver, ainda bem que assim tem sido.
Igualmente outro tipo de terapias, como a cromoterapia, a musicoterapia e a risoterapia têm sido mais desenvolvidas, providenciando uma outra ajuda naquilo que são as experiências de dor. Também a espiritualidade tem sido foco de atenção naquilo que é a otimização da dor, existindo já bastante evidência científica a indicar que a fé e a espiritualidade são coadjuvadoras do controlo da dor, para aqueles que as escolhem viver.

Viver com dor. Todas as pessoas sabem o que é, porém, ao mesmo tempo, ninguém sabe o que é – ninguém sabe porque apenas sabemos quais são as nossas dores, não as dos outros. A compreensão é importante neste mundo que implica a visão da dor do Outro, assim como o respeito, a partilha e a confiança. Também a compaixão, a honestidade e a autenticidade são valores que devem estar presentes quando damos um passo em frente para compreender a outra dor. E para que também seja possível que compreendam a nossa.

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