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Conta o Leitor

2019-08-27 às 06h00

Escritor Escritor

Carlos Alberto Rodrigues

“Uma pessoa pode ter tanto medo de envelhecer, que não consegue viver o agora.”
Carl Jung

Há coisas na vida que são mesmo para sempre. Os pensamentos ou ideias e opiniões que não mudam nunca sobre a reflexão de ser brevíssimo o espaço de tempo que temos entre sermos jovens demais ou velhos precoces. Depois filosofias de vida que ajudam neste tipo de máxima como por exemplo: Envelhecer suaviza as pessoas e ajuda na experiência para os mais novos. A “tragédia” da velhice acontece porque vem depois dessa idade em que não há tempo para pensar nela, antes viver a vida como se fosse o último dia, espremer ao máximo esse tal elixir da juventude que afinal é uma fonte esgotável que dará lugar num ápice a esse estado em que sentimos o que antes desconhecia-mos: a solidão, o estado de se sentir só e esquecido e o tempo já gasto pelo peso da idade.
Por isso há coisas na vida que são para sempre: Um amor, um objeto que se estima as pessoas que nos deixam entrar em suas vidas porque a nossa também está ligada à deles.
Há objetos que nos transportam para outras idades: os amigos, os namoricos, a velha praça ponto de encontro das saídas notívagas… Nessa qualidade há o velhinho banco de jardim. Espalhado por vários sítios das cidades vilas e até aldeias. Há aqueles feitos de granito para durarem à passagem do tempo mas há aqueles que eram feitos de madeira de cor predominantemente vermelha e armações em ferro fundido ou outro metal duradouro.
Um dia destes farto de estar em casa e porque o tempo não convidava a sair para arejar as ideias, decidi dar uma volta pela cidade. Fiz-me acompanhar de um guarda-chuva e saí.
Com a firme decisão de apurar das verdadeiras razões para muitas vezes nos depararmos com situações que nos trazem nostalgia e vontade em viajar através dos nossos pensamentos, esses mesmos, os únicos capazes de nos transportar para o bem ou para o mal para outras latitudes de nossa vida.
No fundo resumia-se à vontade intrínseca de querer estar com aqueles que fisicamente já cá não estão. Antes noutro plano quiçá à nossa espera como tantas outras coisas na vida a ânsia é temida, mas pior acredito seja a necessidade de acreditar.
Costumo pensar que quando estamos muito tristes, com a alma triste até a morte, é como se estivéssemos a atravessar a imensidão do abismo numa corda bamba.
Assim, quando eu me sinto melancólico, penso em coisas simples e boas, pois a isso ainda podemos almejar sem ter que pagar alguma coisa em troca: penso no carinho das pessoas que bem me querem, naquele arrebatador e estonteante beijo de mãe, ou de pai…
Ou porque não numa brincadeira de pequeno, a minha árvore de natal, o céu azul,
Em grandes risadas, no colo de pai, no peito da mãe ou na história dos avós...
Mesmo quando julgamos que a última porta já fechou, no exato momento em que queremos arrumar o dia para canto e esperar que os lençóis tragam outra esperança, porque hoje o dia não quis nada comigo, chegando mesmo a virar-me as costas, ele que até costuma ser o meu bom conselheiro. Mas não, o meu dia de hoje sequer devia ter nascido. Podia-me ter dito isso, e talvez se arranjasse alguma coisa em troca. Mas, não senhor, amuou e seguiu em frente nada preocupado no que podia acontecer contra minha vontade. Tipo deixa andar para ver no que vai dar. Hoje podia esperar pelo travesseiro e pelas conversas que tantas vezes acontecem entre mim e Ele mas antes quis sair do mofo da tarde e espairecer. Afinal ir de encontro àquele banco de jardim. Quantas vezes serves para isso meu velho, quantas vezes sofres com as faces dos mais velhos já com os sulcos do tempo marcados por entre rugas, as lamurias que ouves entre orações que preenchem o vazio que a idade pode trazer. E as pessoas que passam não olham ou ao fazê-lo é com desdém pelo receio de virem mais tarde a ser aquela face sofrida cujo corpo vai tombando como que resignado pela parte final da viagem
Quando tu fores grande e achares que a vida não é linda, então, pensa em coisas lindas.
Árvores que dão colorido à cidade (e ela tanto necessita pelo cinzento dos seus dias que por vezes passam devagar parecendo ir de encontro aquilo que procuro).
Preencher o ócio do momento naquele banco de jardim que escolhi naquela tarde fria de novembro e que mais convidava a ficar por casa entre cobertores, um chocolate quente e ver um filme e pronto, estava saciado. Mas não, queria mais, talvez fosse das primeiras vezes em que vi a verdadeira necessidade de tirar aquela tarde para nós, fazer um balanço ou pensar no que foi e já não volta a ser.
Então começo o exercício de me lembrar novamente para me sentir vivo.
Sinto-os em espírito e assim, cada Natal apesar da ausência de todos eles, dos que já partiram, torna-se especial e menos pesaroso por causa dessas ausências, por nos lembrar com saudade a sua presença e agir como se estivessem perto de mim em pessoa.
Aí, volto a sentir o calor do seu afeto e amor, do tamanho da sua alma e do sorriso de suas faces, as vozes e olhares, aquele caleidoscópio de cores e aromas que invadiam o lar.
Sinto-os vivos dentro de mim. Mas mesmo assim queria voltar a ser aquela criança que fui, nem que fosse por um Natal.
“Tentar fugir pela tangente. Sempre com um esgar e palavras cruéis. Estas lembranças podem fazer estragos…
Se eu, ainda assim, depois de tanto queixume disser que hoje não foi um dia como os outros, que não encontrei energia nem para sentir culpa pela minha letargia pela minha inércia e aquela vontade louca em desaparecer nem que fosse por umas milésimas de segundo, que hoje levantei bem devagar e a horas tardias e que não tive vontade de nada, como posso então reagir?
Decerto vou ouvir um rol de razões assentes em bons argumentos, do tipo “anima-te”, “já pensaste no número de pessoas que mesmo sofrendo não se quei- xam?” (mesmo desconhecendo a razão da minha tristeza)
Por hoje já me sinto satisfeito de não ouvir apenas o vazio da minha alma. Amanhã vai ser melhor, não tenho dúvidas sobre isso.
Isto apesar de sentir que perdi em mim algum fulgor. Por isso é que existe sempre o amanhã.

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