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Uma flor verde e vermelha…

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Uma flor verde e vermelha…

Voz às Escolas

2020-01-13 às 06h00

João Andrade João Andrade

Recentemente, numa formação docente, passou por nós, “The little boy Poem”, de Helen E, Buckley. O poema versa sobre uma criança criativa que, ao longo do seu processo educativo, é condicionada nessa criatividade para fazer as coisas de acordo com o molde que os seus educadores, em cada etapa, pretendem. Quando, no início do processo, lhe pedem que desenhe, ele quer desenhar leões, tigres, galinhas, vacas… mas dizem-lhe que desenhe flores. Então ele cria-as plenas de azul, laranja, rosa, nos seus caules, pétalas e folhas… mas dizem-lhe: “as flores desenham-se com pétalas vermelhas e caule verde…” Tal repete-se, para as mais variadas coisas, ao longo de todo o seu processo educativo… até que um dia chega a uma escola diferente, onde lhe dizem que desenhe o que quiser e com as cores que lhe apetecer! Mas ele já sabe como assumir essa liberdade… Após muita insistência e repetição, de que é livre de desenhar o que bem quiser, por fim ele desenha uma flor: com caule e folhas verdes e com pétalas vermelhas…

Enquanto Estado, construímos um modelo curricular único para todos os futuros cidadãos, pelo menos até ao 9.º ano de escolaridade. Esse modelo, por muito que se queira atualmente um pouco mais abrangente, por via do Programa de Autonomia e Flexibilidade Curricular, é fortemente condicionador da diferença. E se os conteúdos e orientações programáticos, por si só, não se encarregarem de garantir uma conformidade com um perfil idealizado de cidadão, a visão de cada ator educativo que implementa o processo educativo – professores, pessoal não docente, direções e direções intermédias – encarrega-se de o garantir, mais ainda, inquinando o processo com a sua visão específica e pessoal.
É, claramente, otimista, para não dizer absurdo, esperar que um modelo único de processo, passado por etapas – ciclos – com metas, maioria de conteúdos e duração iguais, seja capaz de responder, com sucesso, a toda a distinção e complexidade de cada uma das crianças.

Para agravar o processo, dividimos o saber que entendemos fundamental para todas as crianças em disciplinas. Disciplinas que, numa eventual busca de autofundamentação e de defesa de um saber especializado dos seus detentores, correm o risco de atomizar o saber e o processo educativo, com a agravante de os alunos, ainda imaturos face à vida, poderem ter muita dificuldade em entender a relevância de tudo que cada uma lhes quer, em cada etapa, obrigar a interiorizar. Sabendo nós que um dos fatores fundamentais para a retenção de informação é a importância que lhe atribuímos… Mais ainda, como convencer, ainda, da importância de cada disciplina e de todos os saberes que almeja, a cada aluno – e seus pais! – num mundo em que o que é valorizado é a produtividade imediata e o saber operacional e que não tem a capacidade de relevar toda a panóplia de conhecimento intercruzado que conduz, esse sim, a uma operacionalidade eficaz, eficiente e transferível?

Uma das grandes discussões a que o sistema educativo nacional terá que se dedicar, mais cedo ou mais tarde, dada a meta, mais do que válida, do sucesso universal, é se quer ser um sistema de etapas, culminado num final, o atual 12.º Ano, acreditando, puerilmente, que todos atingirão essa meta, apesar de toda a diversidade, incluindo diversidade da própria crença no processo educativo, ou, por outro lado, se quer doze anos de escolaridade, em que se trabalha para que, quem quer que os conclua, seja dotado de competências mínimas individuais e de cidadania – e consequente profissionalidade -, não cerceando, também, toda a riqueza que a diferença traz.
Obviamente, que quase tudo na vida – e a educação não é exceção – se constrói no equilíbrio. Para funcionarmos em conjunto e para termos sucesso em conjunto – inclusive no processo educativo – existem bases fundamentais comuns – daí o quão fundamental é a universalidade da Educação Pré-Escolar. Mas tal nunca deverá ser atingido forçando a conformidade de todos com um molde abrangente, mas, sim, a partir de um molde mínimo, deixar que o resto do molde seja ajustado a cada um.

Recentemente aconteceu, na ESAS, a última apresentação de um brilhante trabalho conjunto dos Cursos de Artes do Espetáculo, Multimédia e de Desenho Digital 3D, uma peça/performance teatral multimédia sobre a dimensão lírica da obra do ilustre bracarense António Variações. No final da performance, o coletivo de alunos disponibilizou-se a responder a perguntas da audiência sobre o trabalho. E uma das primeiras perguntas foi se, previamente à peça, conheciam a obra de António Variações. A quase totalidade disse que sim, que a conheciam, apesar de terem nascido mais de uma década após a sua morte. Quantos outros artistas, de grande sucesso, mas mainstream, da mesma altura eles conhecerão? António Variações (como outros criativos) ainda hoje é impactante porque, genialmente não conforme, construiu uma mensagem sempre atual para os jovens e menos jovens, não querendo ser mais um menino da flor verde e vermelha…

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