Exposição "O Xaile no Traje" de Ivo Rua na Loja Interativa de Turismo de Ponte da Barca
2017-06-12 às 06h00
28% dos militares portugueses mortos em cativeiro durante a I Guerra Mundial eram naturais do Minho. Este e outros dados estão no livro ‘Prisioneiros Portugueses da Primeira Guerra Mundial - Frente Europeia 1917/1918’, da jornalista Maria José Oliveira e que tem chancela da Saída de Emergência. Ao longo de 255 páginas podemos retirar muitos elementos que dizem respeito ao Minho e que foram descobertos nas cartas devolvidas por Berlim a Portugal. Cartas que nunca chegaram a ser lidas pelos destinatários.
28% dos militares portugueses mortos em cativeiro durante a I Guerra Mundial eram naturais do Minho. Este e outros dados estão no livro ‘Prisioneiros Portugueses da Primeira Guerra Mundial - Frente Europeia 1917/1918’, da jornalista Maria José Oliveira e que tem chancela da Saída de Emergência. Ao longo de 255 páginas podemos retirar muitos elementos que dizem respeito ao Minho e que foram descobertos nas cartas devolvidas por Berlim a Portugal. Cartas que nunca chegaram a ser lidas pelos destinatários.
Mas tudo começou com relatos da história do próprio avô:
“Esta investigação começou em 2010 quando fiz um trabalho para o ‘Público’ sobre o percurso do meu avô depois de La Lys. Sabia que ele tinha sido prisioneiro de guerra mas não sabia qual tinha sido o percurso dele, em que campo tinha estado… Ele deixou algumas memórias, contou algumas coisas ao meu pai que depois me contou a mim”. Um ano depois, Maria José Oliveira, acabava o mestrado e que incidiu numa investigação sobre os presos de guerra. Um tema que “não tinha sido estudado ainda em termos académicos”, disse.
O ano passado a Saída de Emergência contactou a jornalista para saber se gostaria de publicar a sua tese de mestrado. Surgiu então uma contra proposta... “uma vez que a tese de mestrado tinha incorrecções, tinha falhas, faltava ainda muita informação, propus-lhes fazer uma nova investigação e não publicar a tese de mestrado e sim uma nova investigação sobre os presos de guerra”. É nesta altura que regressa aos arquivos e encontra muita documentação que não tinha tido acesso em 2001 nem em 2010 e o resultado acabou por ser este livro. Um livro “devo dizer... um primeiro livro sobre este tema mas que ainda tem muito para estudar.” Ou seja: ainda faltam estudar os presos de guerra em África ainda na I Guerra Mundial e falta estudar mais sobre esta nomeadamente em arquivos estrangeiros, franceses e alemães, sobre este tema dos presos portugueses.
Por esta razão se fala apenas da frente europeia e onde se traça o percurso destes prisioneiros, cujos dados tinham sido censurados: “descobri, o ano passado, cartas e as cartas que descobri publiquei-as praticamente todas. São de prisioneiros para as famílias e das famílias para os prisioneiros que tinham sido censuradas em 1917/18 pela censura militar e que nunca tinham sido devolvidas às famílias, remetentes. Nos casos dos presos que morreram, por razões óbvias, não chegavam lá mas, de qualquer forma, essas cartas foram rotuladas em 1917/18 e nunca mais foram abertas. Por isso, algumas delas, tive de as abrir novamente (há 100 anos praticamente sem serem abertas)”. Cartas que os familiares e os presos nunca leram e, entre elas, também várias de minhotos.
O que é que Maria José Oliveira encontrou nessas cartas?
«Da parte dos prisioneiros o que acontecia era que eles se queixavam muito - e acho que isso foi um dos motivos para a censura confiscar as cartas - da fome porque estamos a falar de um período (1918) em que o império alemão já se está a desmoronar e estão a braços com uma revolução política, depois da Batalha de La Lys, em que acaba o Império e a Alemanha torna-se uma república quando o Kaiser abdica. O que acontece é que toda a Alemanha está com problema de alimentação por causa dos bloqueios económicos. Por isso, os presos queixam-se muito da fome mas também se queixam de não receber as encomendas das famílias (e muitas vezes as próprias famílias nem sequer sabiam que eles estavam presos)”.
O retrato que os prisioneiros ‘mostram’ do cativeiro é de abandono “por parte das autoridades portuguesas, sobretudo os oficiais, mais letrados. E os soldados queixam-se mais das questões de insalubridade, de doença, da fome e em muitos casos também dos trabalhos forçados”.
Mas, as cartas, quando são enviadas pelas famílias, dão também “uma ideia de como nós vivíamos. Era um país, sobretudo rural, em que o analfabetismo era muito alto e onde, por exemplo, quem escrevia a carta era o presidente da junta ou o professor primário em nome de x famílias ou daquela família em que se nota um esforço muito grande por parte dos pais (e isso é muito comovente) em escrever algumas linhas aos filhos… Há cartas em que a mãe só assina o nome e o pai tenta escrever e escreve como fala”.
Falamos de um país muito pobre em que as pessoas não sabiam, nem faziam ideia, de como é que estavam os filhos… e não faziam ideia de como era a guerra na Europa uma vez que havia censura na Imprensa. As pessoas não sabiam nada de nada. Não sabiam que os soldados estavam a utilizar armas pela primeira vez, as suas situações de guerra, as trincheiras (completamente desconhecidas) e se estavam presos ou não.
“Muitas dessas cartas, infelizmente, não chegaram aos prisioneiros. Alguns acabaram por voltar mas as cartas nunca foram devolvidas. Por isso é que as encontrei”, diz Maria José Oliveira.
Contingente minhoto na Batalha de La Lys era muito elevado
Portugal esteve presente, na I Guerra Mundial, com mais de 100 mil soldados em duas frente. A frente europeia e a frente africana (Moçambique e em Angola). Maria José Sousa fala especificamente neste livro da frente europeia. Tivemos cerca de 7000 presos… e 259 mortos em cativeiro. Destes, 28% eram minhotos. Ou seja, 72 nascidos na região do Minho. Uma percentagem muito elevada...
Há alguma razão para que ela tenha existido? “Nessa lista de 259 mortos em cativeiro o facto da percentagem de pessoas do Minho ser alta tem a ver com o enorme contingente militar que veio dessa zona ser muito alto”, refere a autora, acrescentando: “quase todos eles foram capturados em La Lys. Quase todos estavam no sector português e estavam na frente da batalha quando se deu o 9 de Abril de 1918. Essa é a única explicação para isso”.
Há, destes militares mortos em cativeiro, alguma tentativa de tentar procurar essas famílias para saber um bocadinho mais destes militares? “Isso é outro trabalho para se fazer… A minha intenção, apesar de ser jornalista, não era de fazer um trabalho para depois procurar as famílias e ver hoje quem são os descendentes e o que guardam. Não era essa a minha intenção”. No entanto esse trabalho tem acontecido muito e a jornalista tem tido contactos de pessoas que descobriram dados sobre os seus antepassados através do livro e outras que a contactaram porque sabiam que o avô ou tio avô ou bisavó estiveram presos mas não sabiam em que campo. Neste caso, Maria José Oliveira, com o nome do soldado tenta “procurar nos arquivos”. De qualquer forma, “isso é um trabalho interessante e que podia ser feito, não sei se por mim, ou se por outros jornalistas. Até acho que era interessante”.
No livro faz referência a campos de concentração… Agora campos de internamento porque nada pode ser comparado com a II Guerra Mundial. Por tudo aquilo que leu e as cartas que recebeu como se pode definir o que era um campo de internamento na primeira guerra mundial?
“Eles utilizavam as duas designações, embora exista documentação que fala só em campo de internamento e outra que fala dos dois. Eu decidi utilizar campo de internamento para diferenciar da II Guerra Mundial porque estes eram sobretudo de extermínio, o que não é o caso aqui. Normalmente estes campos eram campo extremamente grandes, em descampados e com barracas construídas em madeira”. E depois existiam, dentro do mesmo campo, duas diferenças grandes... campos exclusivamente para oficiais e campos para todos os outros com patentes abaixo de oficial. Neste último, “os soldados, estão em campos quase sempre sobrelotados, e são condenados e obrigados a trabalharem sem receberem soldo”.
No caso dos oficiais as condições são completamente diferentes. Podem receber um soldo, não são obrigados a trabalhar e tinham direito a barracas em melhores condições. Tinham acesso a uma biblioteca. Podiam fazer conferências - “aliás, há alguns oficiais que contam que davam conferências sobre determinados temas da história portuguesa. Outros ensinavam francês, alemão, etc”, refere a autora. Mas há mais: produziam peças de teatro. Tinham sala de jogos, e direito a jornais.
No entanto, os dois campos tinham em comum o facto de terem passado muita fome (como referimos na página anterior, devido ao bloqueio económico).
Maria José Oliveira refere no livro que um dos graves problemas da participação portuguesa na I Guerra tem a ver com um recrutamento compulsivo. Uma decisão política absurda… e por isso mesmo estes soldados acabaram por ser ‘carne para canhão’…
“Acho que, acima de tudo, os militares portugueses não estavam preparados para a guerra de trincheiras que acontecia na Europa e toda a questão do novo armamento”, refere. É que a instrução que receberam em Portugal era má. Depois, a instrução que receberam em França, pelos ingleses, era pouca e dada em pouco tempo. Depois foi uma decisão política tomada… “a primeira de vulto da I República e foi a pior decisão. Aliás, é esta decisão que acaba por matar a I República e acaba depois na ditadura militar de 1926…”.
Mas há mais motivos para o fracasso: estes jovens militares (quase todos à volta dos 30 anos) apareceram completamente desenraizados em França. Uma situação grave que a autora explica: “eles nunca tinham sequer ido à sua capital de distrito. Nunca tinham saído das suas terras. A primeira vez que vêm a Lisboa é para embarcar para França. É a primeira vez que andam de barco. Não sabem as línguas estrangeiras. Tudo é novo. Mal preparados militarmente, a verem coisas pela primeira vez.
Portanto… estamos a falar literalmente em ‘carne para canhão’… Isto é: há uma decisão política que é…vamos mandar estes jovens para aquela máquina de massacre que está a acontecer na Europa e aliás, há alguns publicistas da época de diziam que o CEP (Corpo Expedicionário Português) significava… ‘Carneiros Exportados de Portugal’… é triste ouvir uma designação jucosa, mas verdadeira.”
Também é verdade que a maior parte das vezes as pessoas falam na participação de Portugal na guerra com orgulho, em que glorificam a questão. Mas, para Maria José Oliveira, “a participação não teve nada de glorioso, antes pelo contrário. Morreram milhares de jovens. Foi uma decisão completamente absurda, e era uma decisão perfeitamente evitável, que não teve justificação e que custou a vida a muitos jovens e alterou a vida por completa de muitas famílias neste país. Portanto, era evitável, não fazia sentido nenhum, um país tão pequeno e militarmente nem sequer estávamos ao nível de Espanha (que nem sequer participou)… e, no entanto, uma facção política, decidiu entrar na guerra e mandou para lá uma série de jovens para morrer. Foi o que aconteceu”.
Cruz Vermelha Internacional tem lista dos soldados presos
Foram 72 os minhotos que morreram em cativeiro. Muitos familiares tentam saber informações - ou mais informações - sobre o que aconteceu e onde se encontram sepultados ou então cartas que não foram entregues...
O certo é que, para aqueles que querem ir ao passado, existem várias formas... Mas também podem ser consultadas as informações sobre aqueles que chegaram vivos à sua terra.
Maria José Oliveira chegou a uma lista cruzando três ou quatro artigos: “há muitos erros nas transcrições. Há nomes que estão trocados porque estávamos a falar de franceses e alemães a escreverem os nomes em português. Não foi fácil e acho que mesmo essa lista pode ter um ou outro nome errado… Há um apelido, por exemplo, o Abreu, que na verdade era Abel. O Pereira aparece Pereiro ou de outra maneira. Muitas vezes trocavam nomes próprios”.
Como é que as pessoas podem saber mais alguma coisa?
Podem consultar a ficha dos militares ou podem ir ao Arquivo Histórico Militar, em Lisboa ou - agora já existe - , o arquivo histórico tem um site onde basta colocar o nome do militar, de preferência o nome completo, e talvez consigam chegar ao boletim individual desse militar que já está digitalizado.
Sobre aqueles que morreram já é mais complicado. Essa informação não está digitalizada e essa informação pode ser encontrada no Arquivo Histórico Militar ou no arquivo da Cruz Vermelha Internacional.
A autora do livro refere que a Cruz Vermelha Internacional, na Suíça publicou listas que na verdade são livros de registo dos campos de internamento na Alemanha e consegue-se através… “das instruções chegar ao nome do preso e saber em que campo é que ele esteve preso. Eles não dão a duração, tem apenas o nome, a data de nascimento, local de nascimento e o local onde esteve preso. Foi assim que eu consegui fazer essa lista, cruzando essas informações todas”.
28 Março 2024
28 Março 2024
Com a sessão iniciada poderá fazer download do jornal e poderá escolher a frequência com que recebe a nossa newsletter.
Escolha as categorias que farão parte da sua página inicial.
Continuará a ver as manchetes com maior destaque.
Faça login para uma melhor experiência no site Correio do Minho. O Correio do Minho tem mais a oferecer quando efectuar o login da sua conta.
Se ainda não é um utilizador do Correio do Minho:
RegistoRegiste-se gratuitamente no "Correio Do Minho online" para poder desfrutar de todas as potencialidades do site!
Se já é um utilizador do Correio do Minho:
LoginSe esqueceu da palavra-passe de acesso, introduza o endereço de e-mail que escolheu no registo e clique em "Recuperar".
Receberá uma mensagem de e-mail com as instruções para criar uma nova palavra-passe. Poderá alterá-la posteriormente na sua área de utilizador.
Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos.
Deixa o teu comentário