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Jorge Ortiga: No futuro vamos ter menos lugares de culto
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Jorge Ortiga: No futuro vamos ter menos lugares de culto

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Jorge Ortiga: No futuro  vamos ter menos  lugares de culto

Entrevistas

2019-12-22 às 06h00

José Paulo Silva José Paulo Silva

Jorge Ortiga, arcebispo primaz de Braga, está em período de resignação. Manter--se-à no cargo enquanto o Papa entender. Em entrevista ao jornal Correio do Minho e Rádio Antena Minho, fala do futuro da sua Igreja e recusa escrever as memórias de mais de três décadas como bispo.

Citação

P - Vinte anos como Arcebispo de Braga, foi também bispo auxiliar durante uma dezena de anos. Uma vez que pediu a resignação, é possível fazer um balanço do seu trabalho na Diocese?
R - Efectivamente, é muito tempo. São 32 anos de bispo. Não é fácil de fazer um balanço, nem eu gosto muito de fazer balanços, particularmente daquilo que me diz respeito. Situo-me na vivência de cada momento que passa, procurando corresponder às interpelações. Sou formado em História e tenho de reconhecer a sua importância. Poderei olhar um pouco para aquilo que foram as minhas preocupações. Procurei ter uma grande simpatia pelos sacerdotes, procurei não caminhar sozinho, mas fazendo uma verdadeira equipa com os padres, concretizando o meu lema de ordenação episcopal, ‘Que todos sejam um’. Foi um trabalho de todos os dias.

P - Concorda com a apreciação do autor do livro ‘D. Jorge Ortiga - Semeador da alegria e da unidade’?
R - Penso que essas duas palavras poderão sintetizar o meu servico episcopal ou ser mais uma avaliação temperamental. Penso que tenho vivido para a unidade com os sacerdotes, as comunidades, as autoridades civis, naturalmente com pontos de vista diferentes em muita coisa, procurando estabelecer laços afectivos e efectivos. Gostaria que o meu testemunho fosse de alegria como sacerdote e bispo, no meio das dificuldades, que também as tive.

P - Quais foram as maiores dificuldades que enfrentou e que enfrenta?
R - É difícil dizer. Com o espírito de quem as quer ultrapassar, elas vão-se resolvendo. Foram 20 anos de arcebispo sem grandes sobressaltos. As agitações não foram de monta.

P - É o bispo há mais tempo em funções em Portugal. A Diocese de Braga tem sabido acompanhar a evolução da História?
R - Ninguém é bom juiz em causa própria, mas eu creio que sim. Ouvimos dizer que a Diocese de Braga é tradicionalista. Creio que não corresponde à verdade. Digo que é uma Diocese com as suas características próprias que importa preservar, mas que tem andado na vanguarda em muitas situações. A Diocese está dotada de estruturas que servem um certo pioneirismo. Por exemplo, na área da comunicação social, temos um serviço bem estruturado. Em termos de proximidade com os sacerdotes e com as paróquias temos concretizado muita coisa.

P - O Papa Francisco ainda não deu sinal quanto ao tempo em que se manterá em funções?
R - Nós temos a obrigação de apresentar a resignação quando fazemos 75 anos. O?Papa aceita e concretiza essa resignação quando as circunstâncias o permitirem.

P - Não há um limite de tempo?
R -?Não. Está a fazer um ano em Março. Em termos de saúde, estou mais ou menos bem. O que possa garantir é que, com as forças e as qualidade que tenho, procurarei não parar. Há quem diga que sou um bispo apressado, acelerado...

P -?Stressado?
R - Stressado, não.

P - Foi bispo auxiliar de Braga e continuou como arcebispo. O que tem acontecido é que outros bispos auxiliares foram para outras dioceses...
R - Quase sempre, o que é algo que eu não consigo explicar. Pertenci ao presbitério de Braga, fui bispo auxiliar e depois arcebispo, o que não é muito corrente. Foi o que me aconteceu, costumo dizer que para bem, porque já conhecia muito bem a Diocese.

P - O seu sucessor deveria ser alguém enraizado na matriz identitária da Diocese de Braga?
R - A nossa formação hoje é orientada para a inculturação. Alguém de fora poderá ser enriquecedor. Se eu próprio tivesse passado por outro lado, talvez me tivesse enriquecido para enriquecer a Diocese de Braga. Não estou a formular nenhum juízo. Sei que o conhecer outras realidades num Mundo que é cada vez mais igual é bom e enriquecedor.

P - Perdeu bispos auxiliares para várias dioceses. Como avalia o facto de os papas virem buscar a Braga vários bispos para dirigirem outras dioceses?
R - Pessoalmente, gostaria que cada um deles tivesse ficado mais tempo. Todos eles, quando praticamente conheciam a diocese, já estavam a ir para fora. São oito bispos que agora estão à frente de outras dioceses. Há quem diga que Braga é uma espécie de escola de bispos. Para mim foi um prazer muito grande ter trabalhado com esses oito bispos.

P - Neste momento, a Diocese de Braga está deficitária de bispos.
R - É verdade. Estamos à espera de um bispo auxiliar há mais de um ano.

P -?Tem esperança de que ele possa vier ainda neste seu mandato?
R - Não tenho dúvida nenhuma. Esperoque o processo esteja a chegar ao fim. Está a demorar um pouco mais do que é habitual. Um factor que poderá explicar um pouco foi a mudança do núncio apostólico em Portugal em Abril passado.

P - O número de sacerdotes no activo tem vindo a diminuir na Diocese de Braga. Como vê a evolução desta realodade?
R - Muito serenamente, com muita fé e muita confiança. Estamos habituados a uma determinada maneira de governar a Diocese. Quando me ordenei, íamos como coadjutores auxiliar outros sacerdotes. Quase todas as paróquias, incluindo as mais pequeninas, tinham o seu pároco. Neste momento somos 380 sacerdotes para 561 paróquias. O meu trabalho primeiro foi com os sacerdotes na convicção profunda de que é com eles que podemos edificar uma Igreja diferente, mas a Igreja são também os leigos. Normalmente, ordenamos três ou quatro sacerdotes por ano, mas morrem 13 ou 14. É a situação em que nos encontramos.

P - Terá de haver uma nova organização da Igreja, das próprias paróquias?
R - Não podemos esquecer o Concílio Vaticano II, que aconteceu há mais de 50 anos. Foi uma Igreja que se repensou sobre aquilo que podiam ser as coordenadas da vida das dioceses. Uma das ideias que eu considero das mais importantes é a de que a Igreja não deve ser entendida como hierarquia e autoridade, mas apresentada como povo de Deus onde os padres fazem parte. Há uma dignidade comum aos sacerdotes e aos leigos com responsabilidades diferentes. Quando queremos dizer o que é a Igreja dizemos que é uma comunhão de responsáveis.

P - Quer mais leigos com responsabilidades dentro da Igreja?
R - Hoje, se olharmos para dentro das paróquias, vemos que não conseguimos nada sem os leigos. Temos um número significativo de leigos a trabalhar em várias áreas das paróquias. Quem leva as paróquias para a frente são os leigos. Os sacerdotes têm a tarefa específica de procurar fazer gerar a comunhão entre todos.

P - De qualquer maneira, há poucos sacerdotes para as exigências da Diocese de Braga. Há sacerdotes vindos de países de língua portuguesa.
R - Neste momento, temos quatro sacerdotes de Angola a estudar a pedido de um bispo local. Esses sacerdotes têm a seu cargo algumas paróquias e, simultaneamente, fazem os seus estudos. Daqui a alguns anos, regressam à sua diocese, depois de terem feito aqui a sua formação específica a pensar na constituição de uma Universidade Católica lá.

P - O Sínodo da Amazónia recomendou recentemente ao Papa o levantamento da restrição de ordenar homens já casados como padres para responder à escassez de sacerdotes naquela região. Abre-se um bocadinho a porta relativamente ao celibato dos sacerdotes. Como vê esta evolução?
R - Penso e tendo dito que não é o celibato que vai resolver o problema das vocações. Os protestantes também têm dificuldades de vocações. É bom que todos saibam que, até ao século IV, não era obrigatório a disciplina do celibato. A partir dessa altura, pensou-se que seria o adequado. Continuo a dizer que há vantagens em que o sacerdote seja celibatário para ter uma vida totalmente livre e dedicar-se sem condicionalismos de família. Mais do que essa vantagem, é seguir o modelo que Cristo nos deixou. Cristo foi uma pessoa virgem, celibatária, e hoje a Igreja tem de dar o testemunho de pessoas que abraçam esse estatuto de vida. O que não quer dizer que outras possibilidades não se abram. Já aconteceu no passado da Igreja e, provavelmente, virá a acontecer.

P - Os católicos mais tradicionalistas terão de afastar a ideia de um padre por paróquia. É uma realidade que vai deixar de existir?
R - Isso já acontece hoje. Estamos a formar as pessoas para isso. É com o conselho pastoral que nós dizermos que a realidade é aquilo que é e que as paróquias terão de se organizar de modo diferente. A começar pelo número de missas ao fim-de-semana, que não podem ser aquelas que efectivamente são. Há um ano, tomei consciência que na cidade de Braga são 120. Isto não pode ser. Braga tem este número porque há sacerdotes de idade que vão ajudando. O que vai acontecer no futuro? Vamos ter menos lugares de culto, não tenho dúvida absolutamente nenhuma. Nos mais significativos, com mais facilidades de acesso e de estacionamento, com maior capacidade teremos menos e melhores eucaristias. Não teremos os padres a correr de um lado para o outro só com a preocupação de celebrar por celebrar. Teremos outros momentos em que as pessoas se poderão encontrar. Poderemos ter celebrações na ausência do presbítero, com leigos que conduzem a celebração da palavra e onde se distribui a comunhão. Celebrar com um padre é o ideal, não sendo possível, há outro modo de celebrar.
P - Ainda não é uma prática comum.
R - Já a temos em alguns lugares, não de um modo habitual. Se um sacerdote adoece, os leigos devidamente preparados avançam e celebram o Domingo, a ressurreição de Jesus Cristo, de uma forma responsável, num ambiente de festa e de alegria

P - Pede-se uma mudança de mentalidades.
R - É o que temos procurado e o que me parece estar a encontrar resultados positivos para uma Igreja do amanhã.

P - Por que é que os jovens não enveredam pela vida sacerdotal?
R - A juventude é hoje muito generosa, mas também vive muito dispersa. Os jovens têm muitas seduções e apelos. Não é fácil lançar esse convite e esse apelo, mas estamos a verificar que, já depois de concluirem os estudos e começarem a trabalhar, alguns entram no seminário e ordenam-se.

P - Recentemente, abordou a questão da violência doméstica, uma realidade que ainda persiste e também na área da Diocese. É um problema para a qual a Igreja de Braga tem um olhar mais atento e preocupado?
R - A missão da Igreja passa muito pela palavra e pelo anúncio. Mas o nosso anúncio tem de ir ao concreto, aos problemas. Nem sempre temos a capacidade de o fazer. Por vezes, a nossa pregação passa por cima da cabeça das pessoas.?Uma das preocupações que devemos ter é que a nossa pregação seja uma resposta a problemas concretos. Ninguém ignora o que está a acontecer dentro das famílias com a violência doméstica. Eu direi que ela aconteceu quase sempre

P - Ela agora é mais noticiada.
R - Há uma consciência muito maior. Não podemos fazer de conta de que não vemos esse problema. Temos de o denunciar. É evidente que é preciso uma legislação muito mais restritiva e vigilante. Muita dessa violência continua oculta dentro de casa, mas se nós não entrarmos numa emergência educativa para aceitar o outro nas suas imperfeições e limitações a violência continuará. A resposta que a Igreja pode dar à violência doméstica é um apelo para que essa educação aconteça, que na escola saibamos educar para valores, que não fiquemos só num relativismo em que cada faz aquilo que quer.

P - Os sacerdotes, na comunicação com os fiéis, abordam este problema de uma forma concreta?
R - Os sacerdotes têm de ser concretos e, com toda a probabilidade, olham para o mundo das suas paróquias. Se a questão é o desemprego, devem falar do desemprego; se é a pobreza, devem falar da pobreza. Temos de ser concretos, não fazer de conta que os problemas não existem. Não me tenho cansado de falar da pobreza. E uma coisa são as estatísticas, outra são os factos reais. As estatísticas vão-nos dizendo que dois milhões de portugueses estão no limiar da pobreza, um número significativo. Preocupa-me a pobreza em geral, mas preocupa-me particularmente a pobreza envergonhada. Sei que ela existe na cidade de Braga e com alguma dimensão. A Igreja deve ser pobre e estar ao serviço dos pobres. Os cristãos devem ser capazes de individualizar os problemas e procurar soluções. Esse serviço faz-se também em termos institucionais. A Igreja de Braga é uma presença muito activa no mundo social. Temos a Oficina de S. José, a Colégio de S. Caetano, o Instituto Monsenhor Airosa, o Projecto Homem, o Centro João Paulo II, o Lar de S. José como centros de emergência. Temos também a Irmandade de Santa Cruz, a Misericórdia, centros sociais, as conferências vicentinas e a Cáritas. Estou só a olhar para a cidade de Braga. Temos agora a resposta ‘Pão de Lázaro’ com pequenos almoços para os sem-abrigo. Está a ter uma procura de 10, 12 pessoas por dia e, tanto quanto sei, são poucos os sem-abrigo. Aparecem lá pessoas que estão no limiar da pobreza

P - Não há falta de respostas...
R - Muitas vezes não se reconhece esta dimensão social da Igreja.

P - Apesar da melhoria da situação sócio-económica do país, há ainda muitas periferias, como diz o Papa Francisco, a necessitar de atenção?
R - Periferias com alguma gravidade. As pessoas que estão institucionalizadas têm tudo o que é indispensável, com um grande esforço das IPSS que estão a passar por um momento de grandes dificuldades. A comparticipação do Estado é insignificante e estas obras fazem milagres todos os dias. O Estado paga apenas 38% dos custos por utente, quando os estudos dizem que, para um certo equilíbrio, seria necessário uma comparticipação de 50 a 60%.

P - A Diocese de Braga tem intenção de avançar com um projecto na área social para o edifício do antigo Seminário na Rua de S. Margarida, em Braga?
R - Já não será obra para eu fazer. Temos tido algumas ideias, uma muito concreta em cima da mesa. Para fazer alguma coisa naquele edifício, temos de encontrar uma alternativa para os nossos Arquivo e Biblioteca. Temos já o projecto, que está na Câmara Municipal de Braga há algum tempo, e precisaríamos de alguma comparticipação. A nossa intenção é que o Arquivo e a Biblioteca passem para o edifício onde estava o Diário do Minho. Depois, olhar para a ocupação do edifício que foi do Seminário Conciliar.

P - Pensaram numa unidade hoteleira?
R -Tivemos procura nesse sentido. Seria uma solução fácil, porventura mais rentável, mas a nossa intenção é dar ao edifício um cunho mais social.

P - Passa ainda a ideia de que a Igreja de Braga é um proprietário muito influente e poderoso.
R - A Igreja precisa de meios para atingir os seus objectivos que são muito variados. As paróquias têm de ter espaços para a celebração, para a formação e para a vertente social. Na Diocese, construímos a Casa Sacerdotal para sacerdotes de idade, que foi um grande investimento. O resto são espaços que a Igreja tem de defender. A Igreja não quer aquilo que não é seu. Os direitos e a História são para respeitar. Aquilo que os nossos antepassados nos legaram é para defender. Os nossos bens não são do domínio público, mas têm uma carga pública muito grande. Por exemplo, o Bom Jesus do Monte foi feito pela Confraria e pela Diocese e está ali uma carga muito grande de serviço ao bem comum. Quando reivindicamos aquilo que consideramos ter direito não é para termos mais coisas.

P - No seu tempo têm sido feitas requalificações importantes nos santuários do Bom Jesus, do Sameiro e de S. Bento da Porta Aberta.
R - Uma ou outra pessoa poderá considerar supérfluo ou desnecessário esse investimento, mas esses são espaços que são nossos e não são. Eu tenho muito orgulho em dizer que são dos cristãos e dos não cristãos. A Igreja recebeu esse património e coloca-o ao serviço da comunidade.

P - Alguma opinião pública bracarense manifestou-se para que o edifício S. Geraldo não tivesse o cunho que a Diocese de Braga pretenderia. Houve negociação com a Câmara Municipal para o arrendamento e em cima da mesa estará a eventual compra por parte da autarquia. A Igreja manteve sempre um silêncio prudente.
R - Neste momento, não é nosso intuito a venda. Uma das preocupações que eu tive foi não alienar património. Essa hipótese de compra foi levantada, mas é uma opção que terá de ser estudada.

P - Como viu a antipatia de alguns sectores relativamente ao projecto da Diocese: a criação de uma unidade hoteleira e de outros serviços?
R - Em relação ao S. Geraldo, tivemos vários projectos em cima da mesa que fomos equacionando no sentido de rentabilizar património para ter meios. Pedir à Câmara Municipal que encontrasse uma solução já tinha sido feito várias vezes antes, não foi por pressão. Na cidade de Braga, grupos minoritários - não quero discutir se com ou sem razão - às vezes podem estar a impedir o crescimento harmónico e equilibrado da cidade.

P - Foi uma boa solução a encontrada com a Câmara Municipal de Braga?
R - Desde que aquele espaço seja utilizado para o bem comum, perfeitamente de acordo. Se fosse para outras finalidades que não estivessem em consonância com os valores que nós defendemos, concerteza que não.

P - A relação da Diocese com a Câmara Municipal de Braga é próxima?
R - Em termos pessoais, não temos nada a dizer. Em termos institucionais, às vezes acontecem problemas, mas o diálogo ultrapassa tudo. Às vezes, gostaríamos que as soluções fossem rápidas e concretas, mas o diálogo é sempre

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