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1951 e 2020

Fogo

1951 e  2020

Escreve quem sabe

2020-04-18 às 06h00

Pedro Madeira Froufe Pedro Madeira Froufe

O que é que 1951 e 2020 têm em comum? Por enquanto, pouca coisa. De resto, dadas as circunstância que vivemos, poucos períodos da história recente terão algo em comum com este nosso estranho ano de 2020 que fecha o primeiro quinto do século XXI. A crise pandémica expôs algumas fragilidades e lacunas inimagináveis, até há muito pouco tempo atrás, na construção das nossas vidas hodiernas. Claro está que ainda estamos muito longe de um fim conclusivo para a crise que vivenciamos; ainda é muito cedo para tirar conclusões de caracter mais filosófico, lições estruturantes! De resto, em tempo de guerra, não se limpam as armas e é numa espécie de guerra contemporânea (pelo menos quanto a alguns dos seus efeitos) que nos envolvemos. À escala tendencialmente planetária. Até certo ponto, uma espécie de Terceira Grande Guerra, sem declaração formal de guerra!

Mas regressemos à questão e situemo-nos no contexto europeu, rectius, da União Europeia. Importa recordar que faz hoje 69 anos que formalmente a França, a Itália, a então República Federal da Alemanha e os três Estados no Benelux (Bélgica, Holanda e Luxemburgo) deram o pontapé de saída formal para a integração europeia. 18 de Abril de 1951 foi a data de assinatura do Tratado de Paris que instituiu a CECA (Comunidade Europeia do Carvão e do Aço), criando-se o primeiro mercado comum que, então, abrangendo matérias primas fundamentais para a denominada “indústria da guerra” (carvão e aço) surgiu carregado de simbolismo e de desconfiança nas várias opiniões públicas daqueles Estados membros fundadores do projeto. Significou uma vontade política clara, desses Estados: prescindirem da capacidade de se guerrearem entre si, na medida em que os recursos básicos de então para se suportar uma indústria bélica eram postos em comum! Note-se que também, tal como em Abril de 2020, a Europa estava ainda atordoada; talvez mais atordoada do que agora, na medida em que o grau de destruição provocado pela Segunda Grande Guerra tinha deixado uma parte nuclear do continente transformada num imenso campo de ruinas e num enorme estaleiro. Além disso, as feridas psicológicas da guerra ainda estavam (muitas delas) vivas; a coexistência entre vários povos não eram (no plano sociológico) muito pacífica.

A desconfiança popular (mais do que entre as elites políticas) entre franceses e alemães dificilmente era contida. Episódios como a exigência da República Federal da Alemanha relativamente à extinção da Alta Autoridade para o Ruhr, controlada pelos Aliados e especialmente pelo General De Gaulle, quase inviabilizou a própria assinatura do Tratado. Com efeito, o Vale do Ruhr alemão, era o epicentro da indústria pesada germânica e tinha sido o centro produtor da indústria de guerra nacional-socialista. No entanto, as elites políticas de então conseguiram ultrapassar a pressão das respetivas opiniões públicas, guiaram-se pelo interesse comum de todos os Estados e povos envolvidos e perceberam a chave do problema europeu: povos, territórios e Estados demasiado pequenos para poderem sobreviver num futuro próximo isoladamente, contudo, suficientemente capazes de se autodestruírem, degladiando-se e embrenhando-se em inconsequentes (porque irrealistas) interesses e orgulhos locais/nacionais.

Claro está que, felizmente, a pandemia não colocou a Europa no estado em que esta se encontrava em 1951, ou seja, desfeita! Mas, na realidade, a Europa e, grande parte do planeta, assistem a algo mais do que uma mera (por estrondosa que seja) crise ou recessão económica. Algo novo: simultaneamente, grande parte da atividade económica em todo o mundo, parou; simultaneamente, não há nem oferta, nem procura. Para além disso, numa era em que invocamos os Direitos Humanos como sendo o grande motor do aprofundamento da integração política, a nossa marca de água civilizacional, ficamos contentes porque uma estatística ou outra reflete, de um dia para o outro, menos…. dezenas de MORTES!! Não deixa de ser irónico!

Mas, apesar de as políticas de saúde e de o combate a doenças não fazer parte das competências da União, serem matérias da responsabilidade nacional, é impensável, nos tempos que correm, não existir sequer uma política europeia coordenada; diria mesmo, uma política comum, de algum modo institucionalizada, com recursos solidariamente comuns. E – repito, apesar de estarmos formal e tecnicamente perante responsabilidades dos Estados – tal como em 1951, talvez seja agora o momento de se refundar mesmo, a integração europeia. Dar-lhe um novo impulso e um novo nível de responsabilidade. Não há coisa pior, em termos de força de um projeto coletivo, do que a sensação de que se passou ao lado das oportunidades que a História nos ofereceu!

Em 1951, os Chefes de Estado que assinaram o Tratado de Paris, tiveram a sagacidade de não perderem a oportunidade. E agora, os Chefes de Estado em funções em 2020? Como farão? 2020 será um retorno ao espírito europeu de 1951?

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