Correio do Minho

Braga, sexta-feira

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200 mil (saud)ações

Entre a vergonha e o medo

Ideias

2016-11-01 às 06h00

João Marques João Marques

Segundo noticiam os órgãos de comunicação social, as 200 mil ações do S.C. Braga na posse da Câmara Municipal de Braga, foram adquiridas rapidamente, assim que foram disponibilizadas em mercado. O “sucesso” desta operação é discutível, não do ponto de vista da alienação que a autarquia pretendia ver concretizada, mas na perspetiva do que fica nos cofres da autarquia. Uma operação aritmética simples demonstra, para lá da dúvida razoável, que €5 x 200.000 = €1.000.0000. Ou seja, quando foram adquiridas, as ações do Braga tinham um valor facial de 5€ por unidade e de um milhão de euros na sua totalidade. Ainda assim, importa notar que, pouco antes desta alienação, as ações do S.C. Braga rondavam os €0,80. Um bom mau negócio que decorre de uma dupla perspetiva: a legal e a estratégica.

Sobre a legal importa pouco estar a esmiuçar aquilo que são factos objetivos, ditados externamente e dos quais se não pode retirar uma lógica de atuação política identificadora de quem gere os destinos de Braga.
Já sobre a estratégica, parece-me de elementar justiça destacá-la e discuti-la com frontalidade. É ponto assente que, na perspetiva de Ricardo Rio e do executivo municipal que lhe dá sustento, este tipo de investimento direto, sem contrapartidas de interesse público e de muito duvidoso retorno, não pode fazer parte de uma gestão responsável. A lógica parece meridianamente simples, mas admite discussão. Haverá quem entenda - se assim não fosse, a CM de Braga não estaria a vender ações de uma Sociedade Anónima Desportiva - que os clubes de futebol (ou de outras modalidades), porque representativos da sociedade onde se inserem e por se constituírem, tantas vezes, como um motor fundamental da exposição pública das terras que representam, merecem esse apoio suplementar, que os auxiliará a navegar as marés mais tormentosas da “ditadura dos mercados”.

Ora, uma visão que legitime o investimento público em sociedades de direito privado, não pode deixar de passar pelo crivo político da adequação e bom senso que a gestão da coisa pública demanda. Não se duvida das boa intenções que podem nortear autarcas mais expeditos a investir no clube da terra, numa lógica de puro apoio à comunidade. Contudo, como repetidamente se assinalou na história, com especial incidência na vida pública, “de boas intenções está o inferno cheio”. É que os riscos associados a um investimento significativo num clube da terra, sobretudo através do controlo acionista das sociedades que os gerem, estimula as maiores dúvidas a quem quer que tenha no bom senso o seu guia espiritual. As múltiplas tentações que o domínio deste tipo de coletividades pode suscitar, mormente numa sociedade que vive e respira os fenómenos desportivos como as últimas marcas identitárias a que se pode agarrar com orgulho, desaconselham essa opção.

Todos nós sabemos o que potencialmente se dirá de um presidente de uma SAD que perpetuamente se elege com os votos do acionista “município” e ninguém duvidará da utilidade política de um qualquer autarca poder controlar um clube (se bem que SAD) através da “mão invisível do mercado”. Estas interdependências geram, elas próprias, vícios infinitos e favores em cadeia que só acabam quando uma de duas acontece: a ruína do clube ou a ruína do município (quando não as duas em simultâneo). Julgo ser pacífico que Braga, como qualquer concelho minimamente democrático e progressista (sem desprimor para o progressismo dos conservadores, que aqui se inclui), não quer ter, nas suas coletividades desportivas, “paus mandados” do poder político. Muito menos desejará assistir a episódios pouco edificantes de trânsitos sistemáticos entre a cadeira do poder do município e a cadeira do poder de determinado clube, numa confusão de papéis que não dignificam ninguém e só desprestigiam as entidades envolvidas. Como já os romanos sabiamente o enunciavam: “a César o que é de César [a que se acrescenta] e aos Guerreiros do Minho o que é dos Guerreiros do Minho”.

Para além do aspeto político da confusão entre autarcas e dirigentes desportivos, a evitar a todo o custo, surge, muito legitimamente, na cabeça do comum dos mortais, a questão sobre a existência da indispensável equidistância nos apoios (extra-ações, bem entendido) a atribuir às várias coletividades do concelho. A que acresce a dúvida razoável sobre se foi devidamente avaliado o real impacto no interesse público decorrente dos apoios a conceder ao clube “propriedade” do município.

Se olharmos para o passado e ao que nele se passou, somos forçados a concluir que nunca esta proximidade excessiva deixou um lastro positivo na memória dos bracarenses. Por entre sussurros de favores de obras públicas e as recorrentes queixas de que determinado apoio público nunca cumpria verdadeiramente o seu objetivo nesta ou naquela coletividade, são vários os exemplos que desaconselham a continuidade de um modelo de relacionamento assente no capital. Não se trata aqui de subscrever teses marxistas, ou creditar rumores e boatos como factos, mas antes de sanear o ambiente público em torno da sempre difícil relação entre “pão e circo”. Andou bem, por isso, a Câmara e andarão melhor, esperemos, os clubes visados, agora que definitivamente se soltaram as desconfortáveis amarras do poder político sobre os seus destinos.

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