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2020 (ou, se preferirmos, o ano da transformação)

Portugueses bacteriologicamente impuros

2020 (ou, se preferirmos, o ano da transformação)

Escreve quem sabe

2020-04-07 às 06h00

Analisa Candeias Analisa Candeias

Vivemos tempos estranhos. E, finalmente, os alarmismos surtiram efeito: as pessoas confinaram-se a suas casas, os meios de comunicação começaram a ser criativos e principiamos, todos, a estar mais atentos. E esta atenção não se aplica apenas ao que passa connosco, dentro de nossas casas; é uma atenção que tem sido dirigida àquilo que é comum, que é o bem de todos, e que, para a nossa sociedade ocidental, é muito difícil de digerir. Pois bem, esta atenção veio para ficar - só assim será possível avançarmos com saúde no tempo.

Para nós, ocidentais, é difícil ter como prioridade o bem comum. Não é algo dos dias hodiernos, mas sim algo que se encontra entranhado a nível cultural e social. No entanto, durante as últimas semanas, fomos literalmente obrigados a iniciar a mudança destas ideias, visto que chegámos (quase todos) à conclusão de que, se cada um fizer a sua parte, o todo melhora. Embora não seja fácil enveredar por uma mudança deste género, temos constatado que a mesma tem surtido efeito – como um qualquer medicamento que nos propomos a tomar tendo em conta uma qualquer maleita.

2020 será um grande ano. Acusem-me de auspícios, mas acredito que a realidade nunca mais será igual à que conhecíamos. Vão existir transformações na saúde, no seu desenvolvimento e na produção do seu conhecimento. Vão existir transformações na economia, tantas quantas sejam necessárias para voltarmos a (alguma) estabilidade. Vão existir transformações na demografia, na transição das pessoas do meio citadino para os meios rurais. Vão existir transformações na pedagogia, na forma de educar e na forma de encarar o ensino. Vão existir transformações na sociedade, que se espera que se torne mais pessoal e mais próxima. Vão existir transformações. Ponto.

É necessário abrandar, a isso estamos a ser obrigados. Desenganem-se aqueles que consideram que é imperativo manter o mesmo ritmo: isso não é viável face a esta situação. Está a ser-nos pedido que exista uma cadência do nosso compasso diário, que olhemos para aquilo que é realmente importante, para aquilo que, no fundo, faz a diferença. É igualmente necessário estabelecer prioridades, ajudando primeiro e avaliando depois.

A ciência é imprescindível nesta fase – vai ser através dela que as transformações se consolidarão. Todavia, compete também à ciência abrandar o ritmo da febre da publicação, e ceder um tempo para se poder refletir. É indispensável, nesta fase, avaliar os dados clínicos nacionais que advêm desta pandemia, para se conseguirem alcançar essas tais prioridades – e saber como se comporta a doença, para que se consiga controlá-la. No entanto, pessoalmente, fico surpresa pela quantidade de pedidos que recebo para se procederem a estudos académicos daquilo que é a nossa experiência pessoal, emocional e profissional nesta situação: meus senhores, por favor, tenham calma. Os papers não se esgotam. Não me entendam mal, visto que sou toda a favor da investigação e da produção de conhecimento. Mas talvez, e só talvez, seja agora mais importante ajudar e estudar aquilo que é realmente importante e, posteriormente, num futuro próximo, através de alguma ponderação, seja muito importante avaliar outras questões. É certo que as comissões de ética estão a autorizar estes estudos, porém, fico com sérias dúvidas perante a fundamentação moral dos mesmos (e o seu timing), tendo em conta o não-respeito pela adaptação de cada um a esta nova realidade – e a tão explícita (e mal fundamentada) urgência que é pedida para que neles participemos, com uma invasão da esfera íntima desse cada um. Que não se caia na fraca ideia de um malicioso usufruto, tal como me referiu uma profissional de saúde (que também recebeu um desses pedidos), e passo a citar, «que estes fulanos já se aproveitam da desgraça para fazer trabalhos». Ideia essa que prejudica todos aqueles que se dedicam à investigação. Esperem apenas um pouco mais – tudo vos será pedido, seguramente, a seu tempo.

Sou uma enfermeira que se dedicou à ação autónoma de enfermagem relativa ao ensino, e estas palavras escritas são para aqueles que considero como meus – os profissionais de saúde e, claro, de forma particular, os enfermeiros. Todos os dias me chegam relatos de antigos estudantes (a quem ajudei a formar), de colegas que trabalham nos hospitais, centros de saúde ou lares e também de amigos que se encontram a viver esta nova situação nessas unidades de saúde. São os meus heróis, neste momento. O trabalho tem sido interminável e estas pessoas encontram-se a abdicar das suas vidas para cuidar daqueles que, neste momento, precisam deles. Trabalham com material reduzido aos mínimos, trabalham em condições que estão a ser construídas e adaptadas para que nada falte à população, expõem-se diretamente, todos os dias, à doença – tanto física como mental. As famílias aguardam, resignadamente, porque sabem que é necessário ser paciente. Para o bem de todos, para esse bem-comum que nos assusta, porque não sabemos (ainda) lidar com ele.
E, embora os tempos sejam estranhos, vieram para ficar. Este ano, a Organização Mundial de Saúde e o Conselho Internacional de Enfermeiros designaram que 2020 era o Ano Internacional do Enfermeiro – nem de propósito, mal nós sabíamos o quanto é que isto era verdade. Obrigada a Todos.

#ordemdosenfermeiros
#nursingnow
#WHO
#ICN

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