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“24 de abril”

A urgência de uma estratégia para a valorização do ensino profissional

“24 de abril”

Voz às Escolas

2024-04-29 às 06h00

João Andrade João Andrade

24 de abril de 2024, Escola Secundária de Alberto Sampaio: um hall com três pisos e varandas plenas de alunos e professores, entoa, em uníssono com o Grupo Coral da ESAS, canções de abril, culminando com encores de Grândola Vila Morena!
Foi um momento de celebração de tudo o que foi alcançado no último meio Século: das quedas brutais na mortalidade infantil, no analfabetismo e na discriminação das mulheres; aos aumentos brutais na esperança de vida, nas estruturas e recursos coletivos (a 24 de abril de 1974, menos de metade das casas tinha água canalizada e saneamento, existia uma única autoestrada parcial, não ligando, sequer, as duas principais cidades do País, e tínhamos menos de 1300 médicos por cada 100.000 habitantes em Portugal Continental…), na educação de massas e de alunos matriculados no ensino superior; também a celebração da autodeterminação de todas as nações que emergiram, no pós 25 de abril, do colapso de um império sem rumo ou vislumbre de futuro por parte de um anquilosado regime ditatorial… Mas, antes de tudo, a celebração da esperada Liberdade, Liberdade, Liberdade!
O Portugal do 24 de abril é uma ditadura, subdesenvolvido, discriminatório, ignorante e às costas com um império insustentável e impossível na modernidade. Estado sem solução visível – ou, sequer, procurada - por parte de um regime apenas obsoleto, incapaz e cobarde. E, por isso, teimoso na manutenção de um estado das coisas podre e sem fim.
O 25 de abril foi, assim, feito para tornar possíveis a Democracia, a Descolonização e o Desenvolvimento.
No entanto, na juventude que cantava, como em todos nós, apesar da consciência do entretanto alcançado e do quanto devemos aos Jovens Capitães de Abril, sempre um amargo de boca: se a Descolonização foi cumprida, ainda que a um elevadíssimo preço, que um regime - se clarividente - pré 25 de abril poderia - e deveria - ter evitado, percebe-se que existe, ainda, muito caminho a cumprir no Desenvolvimento, mas, também, na Democratização.
Aceitar que um modelo de democracia construído na pós-Revolução é o final, é estar tão errado como o antigo regime estava em relação à perpetuidade do seu modelo político e de poder. O nosso modelo de democracia foi divisado numa altura em que Portugal emergia de uma ditadura de partido único e de um povo mantido acrítico, onde era necessária construção de uma nova realidade de emancipação popular e de organização política. Foi, então, e bem, necessária a criação de um modelo de democracia fortemente mediada por partidos, de onde emergiriam as lideranças.
Nada permanece vivo se não incorpora a mudança: auscultar a voz do povo, quer nos mais diversos inquéritos ou sondagens, quer lendo os resultados dos últimos atos eleitorais, obriga a perceber que, eventualmente, o modelo de democracia construído no pós-revolução deve ser questionado, em particular no que concerne à representatividade da vontade popular nos diversos poderes.
Atualmente, em sede de governação, escolhemos democraticamente – tanto quanto a inundação de fake news e informação condicionada nos permitem – e a cada quatro anos, o partido que pretendemos que nos lidere, em particular se o mesmo possuir maioria absoluta. No entanto, pouco questionamos – e por vezes são tudo menos claros – quais os mecanismos de ascensão à liderança dentro do partido escolhido, se os mesmos foram deveras democráticos ou se resultaram de combinações, manipulações, trocas de favores ou de jogos de poder e interesses internos. Assim, quando presumimos escolher democraticamente um partido para nos governar, podemos estar a entregar o rumo do País a uma liderança unipessoal ou a um pequeno grupo de influência, que controla autocraticamente o respetivo partido e, por consequência, o País.
Um exemplo – embora, absurdamente, tido como correto e normal no nosso modelo de democracia – é a disciplina de voto dos deputados: em sede de representatividade dos eleitos, como é possível aceitar que o respeito pela sua consciência pessoal ou pela vontade de aqueles que o elegeram devam subordinar-se à vontade da liderança partidária do momento? Um facto que parece simples, mas que revela profundo desrespeito e desconfiança por cada um dos deputados da Nação e, muito mais ainda, por aquele que o elegeram, reduzindo o deputado a pouco mais que o seu peso numérico nas votações em plenário. Neste modelo da nossa democracia - que é, na realidade, uma partidocracia -, é mais do que natural o crescimento da desconfiança face ao poder político e seus agentes e – infelizmente – a adesão aos discursos populistas de ocasião (em que, ironicamente, partidos que se proclamam contra o sistema são, muitas vezes, os que advogam a diminuição do número de deputados…, quando se entende um deputado somente como fator do peso relativo de um partido em relação aos demais, será de desconfiar se, na realidade, o que se busca é, mais uma vez, apenas o poder da liderança…).
Outra dimensão onde, acreditamos, abril se encontra ainda longe de se cumprir é na educação: sem prejuízo de voltarmos mais aprofundadamente a este tema, é nosso entendimento que o sistema educativo público, se numa primeira fase conseguiu responder cabalmente aos desafios transformacionais exigidos pela Nação, a partir do momento em que se viu a braços com uma escolaridade, de facto e legislada, de todos, para todos e por doze anos, não foi capaz, apesar do esforço de todos os atores no terreno, de uma resposta à altura do desfio.
A resposta acaba por falhar, não só por dificuldades de ajuste da escola pública, mas, em particular, por incapacidade, ausência de visão e coragem política superior, ao nível da organização e estruturação curricular. Infelizmente – e sem que seja uma resposta, apenas a fuga de alguns – um dos efeitos colaterais foi a ascensão do ensino privado por todo o País, que irá, necessariamente, provocar e aprofundar a segmentação e o desconhecimento social como nunca, mesmo antes do 25 de abril, poderá ter ocorrido. Dificilmente se vislumbra pior atentado ao espírito de abril…
Já há muito que se vê e sente o Sol… O dia é novo! Já é 25! Mas, até à meia-noite e até que deveras se cumpra, ainda um longo, difícil, corajoso e responsável caminho…

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