Um batizado especial
Ideias
2024-05-11 às 06h00
Na quinta-feira, 9 de maio, celebrou-se o Dia da Europa. Essa data assinala o aniversário da “Declaração Schuman”, considerada como sendo o primeiro grande impulso (e, de certo modo, o ato fundador) da integração europeia. Schuman era o Ministro dos Negócios Estrangeiros da França e foi motivado e convencido por Jean Monnet a empreender, conjuntamente com outros políticos de então, um movimento que, embora incerto, deveria culminar numa União de toda a Europa. Pretendia-se, assim, com tal “aventura” política, enterrar-se definitivamente os estilhaços das guerras relativamente às quais a Europa tinha servido de palco, sucessivo e quase ininterruptamente, desde o século XIX. O auge da destruição e da inumanidade foi a criação do IIIº Reich e a ascensão imperialista do nazismo.
A dita “aventura” foi mesmo ousada e com sucesso. O Tratado de Paris, instituindo a CECA (Comunidade Europeia do Carvão e do Aço) assinou-se em 1951, dando início a uma construção europeia que, agora, 73 anos depois, depara-se com estranhas reminiscências do passado. De um passado perigoso, embora tal passado seja a raiz da sua origem! Refiro-me à guerra, nomeadamente (em primeiro lugar), à guerra às portas da Europa integrada: a guerra perpetrada pela Rússia, no território da Ucrânia. Já tivemos ocasião de referir, nestas páginas do Correio do Minho, o efeito de tal guerra, iniciada em fevereiro de 2022: acabou, para nós, Europeus, a ilusão de que a guerra pela conquista de territórios e com intuitos expansionistas, seria já uma impossibilidade histórica. Vivíamos, antes de fevereiro de 2022, a ilusão de que desfrutávamos de uma “era do fim da guerra” (desse tipo de guerras). Acordamos dessa ilusão e verificamos, um pouco incredulamente que, afinal, o “modo de vida europeu” que tanto nos molda, ao qual nos habituamos e que fomos conquistando ao longo da História, afinal, não é bem visto e querido por todos. Mais: aspetos determinantes desse nosso modo de vida, como a liberdade individual, a democracia, a coesão social e a proteção dos direitos fundamentais e dos direitos das minorias (enfim, um mundo, na nossa perspetiva, “civilizado”) é, afinal de contas, uma exceção, no contexto global. Estima-se que só 20% das populações e comunidades mundiais vivam em democracia, por exemplo!
O Mundo, bem vistas as coisas e ao contrário das nossas ilusões (mesmo instintivas…se é que existem ilusões por instinto!), não é “eurocêntrico” e mantém mesmo, com a Europa e com o denominado (por Putin) “Ocidente” uma relação de atração e simultaneamente de repulsa ou mesmo de ódio. No fim de contas, para todos os quadrantes que não sejam realmente histórica e civilizacionalmente “ocidentais” (“Sul global” incluído, onde também pontifica o Brasil), o “modo de vida europeu” não é bem compreendido; porventura, sendo-o, não é vivido, nem será uma pretensão existencial.
A narrativa de Putin, até agora “evolutiva” e errática, consoante as exigências dos interesses momentâneos da estratégia russa, assemelha-se, em medida não despicienda, ao padrão da narrativa e da atuação de Hitler, em 1938 e 1939. As tentativas de retirar importância ao risco, para a Europa, da cosmovisão atual do Kremlin, assemelham-se, por vezes, às posições apaziguadora dos Aliados, antes da invasão do território da República Checa e da Polónia que acabou por desembocar, inevitavelmente, na 2ª Guerra Mundial. Mais, os pruridos e/ou medos do dito ocidente e da Europa, no que respeita a um apoio, sem freios e assumido, à posição da Ucrânia, faz, por vezes, lembrar a velha querela (inútil, inconsequente) sobre o “sexo dos anjos”, em véspera da queda de Constantinopla! É claro que a Europa, perante o risco de queda da Ucrânia, corre o risco de se anular, de retroceder, em parte e historicamente, em termos de ordem política-civilizacional. Posto isso, não queiramos repetir a caricata lição de Constantinopla e do debate sobre o “sexo dos anjos”. Ao invés, a Europa deveria pensar, antes, em providenciar, com todos os meios, uma ajuda tão inequívoca, quanto decisiva, à defesa da posição da Ucrânia - rectius, à defesa da sua própria posição e “modo de vida”, postos em causa a Leste. Este será o desafio do futuro imediato da Europa, da União.
A resolução do conflito a Leste, condiciona os demais desafios que se perspetivam para o futuro (mais próximo e mais longínquo) da União Europeia - agora, a um mês das eleições para o Parlamento Europeu. O fim da ilusão da impossibilidade das guerras (afetando a Europa), impõe aos Estados-membros a necessidade de, seriamente, construírem aquilo que já está programado nos Tratados: uma efetiva política de Defesa e Segurança comum. Que garanta autonomia na defesa dos respetivos interesses e dos cidadãos, à Europa integrada. Uma nova dinâmica de integração que não tem de se concentrar exclusivamente na própria União. A ideia lançada por Macron, de uma Comunidade Política Europeia (no fundo, vários atores e várias organizações, promovendo os valores e a ação da Europa, a “várias velocidades” e, sobretudo, “em rede” – ou seja, um “networking” europeu) talvez seja a via mais adequada e profícua, num futuro próximo, para dar um novo e diferente impulso à integração (mais do que “europeia”) de toda a Europa, como continente.
O problema político e humano, gerador, em vários Estados-membros, de uma enorme tensão social, económica (em termos de recursos a mobilizar) e, por conseguinte, política, do controle da imigração e das vagas de refugiados, será, de todo o modo, um desafio/problema premente. Muito urgente - como se viu, por exemplo, nos acontecimentos ocorridos no Porto, de ataques a imigrantes, em plena semana de celebração do dia da Europa…
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