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A ameaça Russa

Arte, cultura e tecnologia, uma simbiose perfeita no AEPL

Ideias

2014-04-09 às 06h00

José Manuel Cruz José Manuel Cruz

Assistimos na televisão ao despejo dum edifício central da capital ucraniana. Dizem-nos que serão os activistas de extrema-direita, que ainda na véspera se haviam envolvido em desacatos. Retirarão do centro da cidade, mas permanecerão aquartelados na periferia. Nós, tão interessados na paz e no progresso do estado ucraniano, sossegamos quando nos surpreendem com a tranquilizante afirmação de que as armas lhes serão confiscadas.

Suspiramos de alívio: uma pequena verdade prevalece. Ao fim e ao cabo, na emblemática praça da liberdade, sempre havia organizações extremistas, com armas, que certamente disparavam. Enfim: a contestação ao deposto governo, não era absolutamente espontânea, totalmente pacífica, não bebia integralmente dum ideário democrático. Mas quisemos acreditar - ou quiseram que acreditássemos -, numa revolta genuína, numa indignação incontida, num dizer “basta!” final e definitivo a um governo miserando, a um palhacinho voluntário às mãos do demónio russo.

Era bom que decidíssemos ser mais selectivos com aquilo em que acreditamos. Reitero, porém, algo que disse em crónica precedente: os ucranianos são senhores do seu destino, e em última instância responsáveis por si próprios. Mais, mesmo que em Portugal não haja uma organização de extrema-direita, não me choca que essa força ideológica exista na Ucrânia, ou, inclusive, que se venha constituir equivalente entre nós.

Adiante. Dizia: acreditar, mas em quê? Ouvimos, com frequência, que a NATO teria sido criada para conter o perigo russo, para defender a Europa da insanidade expansionista do bolchevismo. Muito bem, podemos acreditar. Mas não poderíamos acreditar, também, que a NATO foi criada para manietar definitivamente o génio germânico? Recordemos que a Alemanha nunca se terá reconciliado com a ideia de não ter apanhado o comboio da expansão ultramarina.

Sem áfricas ou américas para abocanhar, satisfaria o ímpeto imperialista com o que tivesse ao pé - e vá de marchar de bota cardada para ocidente e oriente. No desenrolar da I Guerra Mundial, ainda teve um lampejo dessa glória, quando colocou elites da sua confiança em territórios de que os bolcheviques tiveram que abrir mãos na sequência do armistício firmado com búlgaros e otomanos, com austro-húngaros e alemães.

Mas perderam a guerra, eles próprios, alemães, e acabaram em ruína análoga. Na ressaca da primeira conflagração mundial, as nações pensantes organizaram-se na predecessora da ONU, para que jamais ocorresse miséria como a que despedaçara vencidos e vencedores. Transitória ilusão, nem vinte anos depois andavam de novo com a Alemanha às voltas, fazendo de conta que não acontecia o que estava a acontecer. Outro banho de sangue, miséria mais vasta ainda. Quem garantiria que a Alemanha não se aprestasse para o terceiro round, após breve interregno no III reich? Ninguém na sua boa-fé! No entanto, o perigo seria o eslavo.

Para o perigo russo já a Virgem Santíssima nos avisara no altar do mundo. Não é que na Cova da Iria, na sua terceira aparição, em Julho de 1917, no que constitui matéria do II segredo, se pede aos pastorinhos que rezem pela conversão da Rússia? Eles, que nem a Ourém tinham ido à feira, ei-los a rezar para que a cinco mil quilómetros de distância os russos não espalhem os seus erros pelo mundo, promovendo guerras e perseguições, à igreja, também pois está claro!

Eu só me pergunto: o que a Virgem Mãe cá veio fazer? Como é que teria deixado passar em branco o perigo germânico? Mais, em Julho de 1917, nem sequer a revolução de Outubro tinha acontecido. Em Julho de 1917 os cristãos ortodoxos eram tão tementes a Deus como os romanos. Em Julho de 1917, nenhum pope de aldeia tinha consumições além do rebanho de fiéis, do rebanho de filhos, da engorda do porco e do pasto para a vaca!

Viria, Maria de Nazaré, na antevisão dos deicidas do Kremlin! Mas, desculpe-se-me a insistência: com tanto mal que haveria de vir ao mundo pela loucura de uns e de outros, como é que só um é o apontado? Custa-me a viver com a providência divina pela metade. Terá confidenciado aos atónitos pastorinhos que outra guerra se iniciaria, que haveria sofrimento e aniquilação, mas que por fim o seu Imaculado Coração triunfaria e que o Santo Padre lhe consagraria a Rússia. E nem uma palavra para os germânicos? Eu, se fosse alemão, revoltava-me com tal indiferença!

Descontem-me a ironia. Não é só Roma que precisa da filiação russa. Não há Europa estável sem Rússia, e nada do que é feito favorece esse caminho. O Kremlin terá apadrinhado um referendo na Crimeia e, num flic-flac, adeus Ucrânia, olá Rússia. Não há coração pensante que não se indigne com semelhante ofensa à integridade territorial. Que me conste, a Sérvia ficou sem o Kosovo pelos meus procedimentos, com a inspiração americana e o aplauso dos parceiros europeus. Vá-se lá entender o direito internacional!

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