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A avaliação das Unidades de Investigação pela FCT e o negócio das publicações científicas

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A avaliação das Unidades de Investigação pela FCT e o negócio das publicações científicas

Ideias

2025-03-05 às 06h00

Manuela Vaz Velho Manuela Vaz Velho

Estamos em 2025 a aguardar os resultados do processo de avaliação das Unidades de I&D (UID) pela FCT-Fundação para a Ciência e Tecnologia, referente ao período de financiamento 2018-2023.
2023 seria o último ano de financiamento do último período de avaliação aprovado em 2020, mas um ano adicional foi considerado – 2024, e agora mais 3 meses de 2025, dado o atraso do lançamento do concurso. O concurso foi publicado em 28 de dezembro de 2023 com término a 17 de abril de 2024.
Os resultados provisórios desta avaliação, segundo o calendário da FCT (2024), serão publicados até ao final do primeiro trimestre de 2025, um ano depois do início do processo.

A avaliação das candidaturas e a elaboração da proposta de decisão competem a painéis de avaliação independentes constituídos por avaliadores de mérito e competência internacionalmente reconhecidos, provenientes de instituições estrangeiras e que abranjam as áreas científicas de atividade das unidades de I&D. Os avaliadores devem aplicar os critérios de avaliação de acordo com as orientações do Guião de Avaliação da FCT.
Neste Guião vem claramente expresso que, ao aplicar os critérios de avaliação, o painel de avaliação deve dar primazia à avaliação da qualidade, mérito e relevância. São assim aconselhados a não efetuarem um exercício de quantificação das contribuições como medida da qualidade, como parte do compromisso da FCT com o Acordo da Reforma da Avaliação da Investigação, tal como estabelecido pelo Coalition for Advancing Research Assessment (CoARA). Os métodos atuais de avaliação da investigação dependem fortemente de métricas baseadas em publicações, como a contagem de citações, e muitas vezes não reconhecem a ampla gama de contribuições dos investigadores. (https://coara.eu/)

Curiosamente, no caso da UID a que pertenço, por parte de um avaliador surgiu uma pergunta do tipo “com tantos projetos porque é que não publicam mais? Como se os indicadores de impacto e de qualidade da investigação se limitassem às publicações e ao seu número.
E, ainda, outro avaliador teceu considerações sobre a qualidade de revistas internacionais onde publicámos alguns artigos, exaltando as revistas da editora Elsevier e menosprezando outras editoras indexadas com impacto e qualidade reconhecidas pelo próprio sistema indexante da Elsevier – SCOPUS. Se o sistema SCOPUS/Elsevier as indexa e as classifica, como é que um avaliador pode opor a sua opinião pessoal num ato de avaliação desta natureza?
Mas focando agora as publicações e o negócio das editoras comerciais de revistas científicas.
Há três décadas, antes da era digital, a maioria dessas revistas eram de associações científicas e só algumas comerciais, e eram as instituições académicas que pagavam a subscrição das revistas de acesso restrito, facultando assim o acesso aos membros da sua academia.
O sistema de acesso aberto (Open Access), francamente apoiado pela FCT, permite acesso gratuito ao leitor e a divulgação da investigação é livre desde que sejam referenciados os seus autores através de citações da autoria.
A questão agora é que há vários modelos de acesso aberto sendo o mais apetecível o acesso aberto “dourado” que permite a publicação mais rápida de artigos em revistas científicas, em particular nas suas plataformas digitais, mediante o pagamento dos custos de publicação, conhecidos por APC (Article Processing Charges).
Ao contrário do que acontece em qualquer outro negócio, as editoras científicas comerciais não pagam aos autores dos artigos académicos que publicam nem pagam o serviço de controlo da qualidade dos artigos publicados – a revisão por pares. No sistema de open acess são os autores que pagam para serem publicados, tendo descontos se fizerem o trabalho de revisão de artigos de outros autores.
Algumas editoras nos últimos anos fizeram catapultar o sistema de acesso aberto e as grandes editoras, que dominam o mercado, foram forçadas a seguir no mesmo sentido, mas como praticam preços muito superiores aos das novas editoras, a concorrência fez-se sentir. As grandes editoras com revistas por subscrição recebem em média mais por artigo do que outras editoras em regime de acesso “dourado” por APC. A questão torna-se mais complexa quando revistas de subscrição adotam práticas de acesso aberto, funcionando com modelos híbridos (Brandão, Moreira, & Tanqueiro, 2021).
As editoras científicas comerciais beneficiaram da era digital, que levou a um aumento exponencial das publicações de literatura científica. Levou também a uma maior dependência da comunidade científica em relação a estas editoras. A Elsevier, lidera as editoras científicas com a maior margem de lucro do mercado (Aspesi et al., 2019),
Instituições com poder negocial, como a Universidade da Califórnia, que em 2019 boicotou a Elsevier devido aos elevados preços em open acess impedindo publicações em revistas da editora, em 2021 chegaram a um acordo de 4 anos sem limite no nº de artigos (Brainard, 2021).

A FCT também estabeleceu um acordo com algumas editoras, incluindo a Elsevier, com uma percentagem de artigos de acesso livre grátis, mas o número destes artigos é limitado e não é distribuído por instituições, o que ocasiona uma espécie de corrida dos investigadores no início de cada ano esgotando-se quase de imediato.
Grupos de investigadores estão cada vez mais submetidos aos interesses das editoras: “Enquanto a publicação em revistas de elevado fator de impacto for um requisito para os investigadores obterem cargos, financiamentos para investigação e o reconhecimento dos seus pares, as grandes editoras comerciais manterão o seu domínio no sistema de publicação académica” (Lariviére, Haustein & Mongeon, 2015). A contagem de artigos indexados por bases de dados bibliométricas de larga escala – que abrangem principalmente revistas publicadas por editoras comerciais, como mencionado pelos autores, cria um forte incentivo para que os investigadores publiquem nessas revistas, reforçando assim o controle das editoras comerciais sobre a comunidade científica.

“Os critérios de avaliação dos investigadores ainda se baseiam, na maioria das vezes, em publicações académicas e são muito menos avaliados critérios como o impacto da produção científica na comunidade académica ou outras realizações como a abertura à comunidade, o trabalho de equipa ou a participação em dinâmicas da ciência cidadã” (Brandão, Moreira, & Tanqueiro, 2021).
Com o desenvolvimento de um sistema de Ciência Aberta, são necessários novos critérios de avaliação para continuar a apoiar as carreiras e o recrutamento dos investigadores. A avaliação deve ser justa e garantir a equidade a todos os requerentes (European Commission, 2017).

Os investigadores envolver-se-ão plenamente em dinâmicas de ciência cidadã se forem motivados através do reconhecimento e da recompensa nos processos de recrutamento, progressão na carreira e avaliação de agências de financiamento (European Commission, 2017).



Aspesi, C., Allen, N. S., Crow, R., Daugherty, S., Joseph, H., McArthur, J. T., & Shockey, N. (2019). SPARC Landscape Analysis. https://doi.org/10.31229 /osf.io/58yhb
Brainard, J. (2021). California universities and Elsevier make up, ink big open-access deal. Disponível em:
https://www.science.org/content/article/california-universities-and-elsevier-make-ink-big-open-access-deal Acedido em 16 dezembro 2024.
Larivière, V., Haustein, S. & Mongeon P (2015). The Oligopoly of Academic Publishers in the Digital Era. PLoS ONE
https://doi.org/10.1371/journal.pone. 0127502
FCT (2024) - Programa Plurianual de Financiamento de Unidades de I&D 2023/2024. Disponível em: https://www.fct.pt/concursos/programa-plurianual-de-financiamento-de-unidades-de-i-d-2023-2024-1-1 Acedido em 16 dezembro 2024.
Brandão, T., Moreira, A. & Tanqueiro, S. R. (2021). As políticas de Acesso Aberto: História, Promessas e Tensões. Ler História, 78, 253-276. https://doi.org/10.4000/lerhistoria.8560
European Commission (2017). Evaluation of Research Careers fully acknowledging Open Science Practices Rewards, incentives and/or recognition for researchers practicing Open Science. Brussels: Directorate-General for Research and Innovation.
https://data.europa.eu/doi/10.2777/75255

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