Antropoceno avant la lettre: a Sétima Época da Terra
Ideias
2021-03-09 às 06h00
A entrada da barra de Esposende foi há dias palco de novo naufrágio, desta vez de um pequeno barco de pesca, felizmente sem consequências graves do ponto de vista humano. Este triste episódio traz novamente para a ordem do dia a angustiante questão da falta de intervenção na Barra de Esposende no sentido de criar boas condições para a navegabilidade.
Este é um tema de grande relevância, e não apenas do ponto de vista económico, para Esposende e, de um modo geral, para a região envolvente. Tema que incompreensivelmente se arrasta sem qualquer tipo de solução desde o século passado, portanto há mais de vinte anos, não obstante os sucessivos compromissos eleitorais assumidos por todos os partidos que detiveram responsabilidades governamentais.
“Não é aceitável que esta intervenção continue a ser adiada, especialmente considerando o facto de os problemas estarem identificados há mais de 20 anos”, sublinha o grupo parlamentar do PCP numa pergunta que, a propósito deste naufrágio mais recente, endereçou ao Governo. A nova e nada surpreendente ocorrên- cia “confirma a urgência da intervenção na Barra de Esposende”, concluem, e muito bem, os comunistas.
Conforme é referenciado no texto que suporta a questão colocada ao Governo, em Fevereiro de 2016 a Assembleia da República aprovou uma resolução a recomendar a construção da barra marítima de Esposende. Esta deliberação, que aconselha a realização de um vasto conjunto de obras para solucionar o problema, designadamente “a reconstrução do molhe norte, a intervenção na barra, a dragagem do canal de navegação e a reposição da restinga”, até hoje nunca mereceu a atenção devida por parte do Governo.
Entretanto, e como é facilmente constatável, os pescadores, cuja sobrevivência depende do normal desempenho da sua actividade profissional, continuam diariamente a correr riscos, colocando mesmo a sua vida em perigo. Também a navegação de recreio é vítima deste desprezo governamental, situação que, como é compreensível, se reflecte negativamente na economia local e regional, com particular incidência no sector do turismo.
É profundamente deplorável que os pescadores de Esposende continuem a ser vítimas indefesas do desprezo de sucessivos governos, os quais, mesmo tendo perfeita consciência dos graves prejuízos que a sua falta de vontade política está a causar, mantêm uma posição imobilista que, na prática, condena aquela população piscatória, a cidade e a região.
Como sublinha o PCP – e qualquer observador isento reconhece a justeza destas observações – “aconteceu com todos os governos, desde o governo PSD/Cavaco Silva até ao actual governo do PS.” É mais que tempo para passar das promessas, feitas em campanhas eleitorais e não só, aos actos para que não venhamos a lamentar quaisquer mortes as quais, a ocorrerem, serão responsabilidade de quem tutela o sector e do próprio governo, no seu conjunto.
A sabedoria popular, que se baseia no conhecimento e experiências ancestrais, diz-nos que a esperança é a última a morrer mas, tal como Mia Couto, acredito que nem sempre tal corresponde à verdade.
O grande escritor moçambicano, que já ganhou o Prémio Camões, escreveu que “a esperança não morre por si mesma. A esperança é morta. Não é um assassínio espectacular, não sai nos jornais. É um processo lento e silencioso que faz esmorecer os corações, envelhecer os olhos dos meninos e nos ensina a perder crença no futuro”. (E se Obama fosse africano? - edição Caminho)
Ora, parece-me que o abandono a que tem sido votada a Barra de Esposende tem correspondência com as palavras de Mia Couto, na medida em que a desconsideração dos governantes foi esgotando a paciência ao mesmo tempo que ia matando a réstia de esperança que alguns dos que a utilizam regularmente ainda conservavam.
Este paradigma de governação, corporizado num centralismo que não se coaduna com a imperiosa necessidade de combater as inúmeras e graves assimetrias, está aliás bem patente na recente proposta do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR). Este documento, que contempla o levantamento e planeamento do investimento dos 13 mil milhões a fundo perdido que a União Europeia disponibiliza a Portugal, foi colocado em discussão pública mas tem suscitado inúmeras críticas e protestos, precisamente por esquecer importantes parcelas da geografia nacional. E esse “esquecimento” tem origem precisamente na ausência de auscultação dos representantes, que mais uma vez foram ostracizados. Intencional ou não, esta falta de diálogo conduziu à elaboração de um documento que, a ser posto em prática nos precisos termos em que foi apresentado, está a léguas de se coadunar com o espírito e a letra dos objectivos que estiveram na base da criação da famosa “bazuca”.
18 Abril 2021
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