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Braga, segunda-feira

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A beata de Santa Eulália de Oliveira

Liberdade para transformar Braga

A beata de Santa Eulália de Oliveira

Ideias

2025-06-08 às 06h00

Joaquim da Silva Gomes Joaquim da Silva Gomes

Na segunda metade do século XIX, a nossa região continuava marcada por uma profunda religiosidade. O pároco e as celebrações religiosas que aqui se realizavam constituíam o centro da vida social. As mulheres dedicavam grande parte do seu tempo a frequentar a igreja, vestidas com as suas indu- mentárias pretas, de saia comprida e com um lenço a cobrir a cabeça. O tema central das conversas era a vida religiosa e tudo o que se passava em torno da igreja da localidade.
Nessa época, marcada por grande fervor político, muitos associavam o atraso social de Braga à sua profunda religiosidade. Chegavam mesmo a referir que Braga tinha magníficos templos, santuários, monumentos, colégios, obras de arte religiosa, mas não passava de uma “a Braga beata” onde não havia progresso económico e industrial. A profunda religiosidade que se vivia na augusta cidade estendia-se às localidades vizinhas. Uma delas era Barcelos, onde ocorreram alguns episódios verdadeiramente invulgares, dignos de serem recordados.

Segundo a “Gazeta de Braga”, de dia 27 de junho de 1865, em Santa Eulalia de 0liveira, em Barcelos “acaba de dar-se um caso, que pela sua extravagancia o julgamos digno de ser registado”. O relato que se segue é apaixonante.
Nessa freguesia existia uma mulher que passava muito do seu tempo na igreja paroquial. Em finais de junho de 1865, há 160 anos, no exato momento em que que o pároco dessa freguesia se encontrava a confessar um dos seus paroquianos, a mulher aproveitou uma pequena distração do padre para se esconder no interior da igreja, sem que ninguém se tenha apercebido de nada.
A mulher, conhecida na freguesia por “beata”, aproveitou a concentração do pároco, quando este confessava, para se introduzir num confessionário mais escondido.

Depois de ter confessado vários paroquianos, o sacerdote da freguesia arrumou tudo o que tinha, fechou a porta da igreja e dirigiu-se calmamente para a sua casa, com a sua batina preta de impor respeito!
Momentos depois do pároco ter fechado a porta da igreja, a beata sentiu-se aí segura e resolveu planear uma atitude que julgava chamar a atenção de todos. Então, saiu do seu esconderijo, dirigiu-se para junto do altar do Senhor dos Passos e conduziu a imagem de Nosso Senhor dos Passos para o meio da igreja, onde a colocou.
De seguida, a mulher beata resolveu pentear o cabelo da escultura de Nosso Senhor dos Passos e regar com azeite os cabelos do Nosso Senhor!

Sozinha, no interior da igreja, sem qualquer receio do que estava a fazer, a beata de Oliveira dirigiu-se de seguida à sacristia, de onde retirou, de uma gaveta, a chave do sacrário, “onde se dirigiu e abriu tirando dentro o vaso das Sagradas Par- tículas que foi collocar nas mãos do Senhor dos Passos”.
De seguida, a beata “ainda não satisfeita com esta sua obra, foi a todos os altares da egreja donde tirou todas as imagens grandes e pequenas, que collocou com toda a ordem umas atraz doutras atraz da imagem do Senhor dos Passos”. Depois, “julgando concluído o seu milagre, procurou evadir-se por uma janella”.
Já no exterior da igreja, a mulher beata foi ter com outras mulheres, contando-lhes apressadamente o que havia presenciado na igreja de Oliveira. A forma alarmante como relatou a sua visão fez com que, de imediato, várias mulheres se dirigissem à igreja, ansiosas por testemunhar o milagre que acabava de ser descrito. No meio de um pranto lacrimal, a beata contou às outras mulheres “que lhe palpitava o coração” pois estava perante “um milagre na sua egreja”.

Eufóricas, a beata e outras suas companheiras, dirigiram-se espavoridas para a casa do pároco, para lhes contar o que tinham acabado de presenciar no interior do sagrado templo!
Depois de ouvir as profecias das beatas, o pároco dirigiu-se de imediato à igreja, onde já se encontrava a beata, autora do milagre, junto à porta.
Mal o padre abriu a porta da igreja, todos puderam presenciar tamanha cena, ficando “tudo pasmado, e tudo cae de joelhos ao avistar um tal milagre”!
O servo do padre, eufórico, corre com todas as suas forças para a torre da igreja, avançando três degraus de cada vez para ir mais depressa e “desata com fúria a corda do sino, que faz repicar com todo o furor”.
Ao toque do sino, o povo foi-se aproximando da igreja para ver o que se passava. Após uma hora a observar este cenário milagroso, e vendo que “a procissão se não movia” de dentro da igreja, o pároco começou por suspeitar que alguma coisa estranha estava a acontecer na sua igreja, e não era propriamente um milagre.

Foi então que, desconfiando da mulher beata, dirigiu-se para junto dela, revistando-a e acabando por encontrar junto ao peito a chave do sacrário. De seguida, não foi necessário fazer muitas perguntas para que a beata confessasse ao pormenor tudo o que tinha realizado.
Perante esta descrição, o pároco chamou as autoridades, que levaram a mulher beata para a cadeia de Barcelos!
Este caso teve muitas repercussões não só na freguesia de Oliveira, mas em toda a nossa região, até porque foi relatado na imprensa da época, como “O Progresso”, de 4 de julho de 1865.

As mulheres de Barcelos, na segunda metade do século XIX, parece que estavam dispostas a fazer de tudo para chamar a atenção das populações e até das autoridades religiosas. E uma dessas desobediências levou o Arcebispo de Braga a publicar, a 10 de agosto de 1889, a portaria seguinte:
“Constando-Nos que em alguns templos da Villa de Barcellos se não tem observado a Portaria de 30 de agosto de 1877, que ordenava a todos os párocos da Arquidiocese de Braga que não admitissem nas igrejas, ordens terceiras, santuários ou capelas, mulher alguma, como cantora, ou fazendo parte das chamadas capelas de música, nas festividades religiosas que ocorressem nas suas paróquias”.
Este aviso do Arcebispo foi especificamente dirigido a Barcelos, pois ali existiam mulheres que tinham a ousadia de cantar na igreja, sem a autorização do Arcebispo.

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