Reclassificar o solo
Voz às Bibliotecas
2024-11-07 às 06h00
Hoje escrevo sobre um conjunto medidas recentemente aprovadas pelo Ministério da Cultura com o objetivo de promover o acesso generalizado e facilitado da população às atividades culturais. Do conjunto de medidas destaco a medida estruturante: “A Biblioteca Pública como Unidade Cultural de Território”, que surge num contexto de renovada urgência em repensar estas infraestruturas culturais. Longe de ser apenas uma coleção de livros, a biblioteca pública é, como propõe o Ministério da Cultura, um organismo vivo, capaz de pulsar no ritmo das comunidades que serve. Esta visão assenta na perceção de que o papel da biblioteca se estende muito além do empréstimo de livros. Ela é, ou deve ser, um verdadeiro motor cultural, um farol de cidadania e inclusão. Há algo profundamente simbólico no modo como o documento posiciona a biblioteca. Num tempo marcado pela rápida transformação digital e pela globalização, onde o acesso ao conhecimento parece ilimitado, mas superficial, a biblioteca pública reafirma-se como espaço de permanência, reflexão e ligação. Este posicionamento não é trivial. Apostar nas bibliotecas como unidades culturais de território é reconhecer o seu potencial único para combater o isolamento, estimular a criatividade e promover a literacia crítica. Porém, o desafio da operacionalização destas ideias é vasto. O documento defende a descentralização da cultura e propõe que as bibliotecas se convertam em centros de dinamização cultural que envolvem diferentes gerações e contextos sociais. A proposta é clara: transformar as bibliotecas em plataformas de diálogo intergeracional, onde se cruzam tradições e inovações. Mas, para que esta visão se torne real, é necessária uma vontade política robusta e, acima de tudo, investimento sustentado. Não basta criar espaços fisicamente atrativos; é crucial investir em pessoal qualificado, em programação diversificada e em parcerias estratégicas. Outro ponto marcante do documento é a ênfase no papel inclusivo das bibliotecas. Estas devem ser espaços de acolhimento, não só para os leitores ávidos, mas também para aqueles que, por várias razões, têm menos acesso à cultura. As bibliotecas podem ser autênticos refúgios onde todos, sem exceção, encontram oportunidade de crescimento pessoal e comunitário. Este enfoque na inclusão social é especialmente relevante num país como Portugal, onde as disparidades ainda são significativas. É nas bibliotecas que o fosso entre o centro e a periferia pode ser atenuado, criando-se oportunidades equivalentes em todos os cantos do país. No entanto, há que reconhecer os perigos de uma visão excessivamente romantizada. O docu- mento acerta ao sublinhar o papel estratégico das bibliotecas, mas como assegurar que estas não se transformem em meras ilhas de boas intenções? A sustentabilidade é a palavra-chave. Bibliotecas como polos culturais exigem um compromisso financeiro constante e um entendimento profundo das necessidades locais. A inclusão não é um conceito abstrato; é algo que precisa de ações concretas e contínuas, desde a acessibilidade até à programação cultural relevante. O que este plano traz de mais inspirador é a sua ambição. Em tempos de polarização e fragmentação, imaginar bibliotecas que funcionem como pontos de convergência, onde cada cidadão é bem-vindo e ouvido, é um projeto esperançoso. Se bem-sucedida, esta medida pode redefinir a relação entre a cultura e o espaço público, mostrando que a leitura, o conhecimento e a troca cultural são bases de uma sociedade mais justa e consciente. No fim, resta-nos perguntar: estamos prontos para dar às bibliotecas a centralidade que elas merecem? O documento propõe uma visão audaciosa, mas o verdadeiro teste será a sua implementação. Afinal, como tantas vezes na política cultural, a diferença entre o sonho e a realidade mede-se em orçamentos e compromissos. Que este seja o marco transformador, onde as bibliotecas possam realmente ser o coração pulsante das nossas comunidades.
05 Dezembro 2024
28 Novembro 2024
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