Correio do Minho

Braga, segunda-feira

- +

A crise do sistema capitalista global na atualidade

49.3

Banner publicidade
A crise do sistema capitalista global na atualidade

Ideias

2022-11-19 às 06h00

António Ferraz António Ferraz

Seguindo a tendência de aumento dos preços desde finais de 2021 com o aliviar da pandemia Covid-19, o processo inflacionário tem vindo a acelerar com o eclodir do conflito Rússia-Ucrânia, reduzindo, por consequência, o poder de compra das famílias, sobretudo, quanto aos trabalhadores assalariados, pensionistas, bem como aos depósitos bancários e poupanças das famílias. Dados recentes do Instituto Nacional de Estatística (INE) permite destacar os pontos reflexivos abaixo.
(a) Em abril de 2022, o nível de preços superava os de abril do ano anterior em 7,3%, por exemplo, em abril de 2022 um salário ou pensão de 1000 euros correspondia a preços de abril de 2021 a apenas 932 euros.
(b) O salário mínimo nacional (SMN) de 705 euros correspondia em abril de 2022 a apenas 657 euros em relação a janeiro de 2022.
(c) Os depósitos bancários ou poupanças das famílias tem vindo a sofrer uma forte erosão, por exemplo, um depósito bancário ou poupança de 50 000 euros em abril de 2021, correspondia a apenas 46 598 euros em abril de 2022.
(d) O Estado tem vindo a beneficiar com a escalada dos preços, por exemplo, a um produto que custasse 100 euros o Estado cobraria 23 euros (taxa de IVA de 23%). Se o preço aumentar para 110 euros, o IVA sobre os 110 euros é de 25,30 euros, logo, uma maior receita do Estado.
(e) Com a subida da inflação os Bancos Centrais (BC) têm vindo a adotar políticas monetárias restritivas, via, aumentos sucessivos das suas taxas de juro diretoras, objetivando o controlo dos preços.
(f) Por sua vez, as subidas das taxas de juro na economia implicam redução da procura interna de bens e serviços para se ajustar a uma menor oferta interna pelas empresas, logo, menores níveis de produção (PIB), rendimento e emprego (com aumento esperado do desemprego). Quer dizer, ganha corpo a ideia de possibilidade de uma recessão económica mais ou menos profunda e persistente num prazo mais ou menos breve. A isso, deve-se acrescentar a grave crise alimentar derivada do conflito Rússia-Ucrânia nos países mais pobres.
O surgir do conflito Rússia-Ucrânia, países que grandes exportadores de petróleo, gás e cereais, tem vindo a agravar a incerteza mundial, a induzir maiores restrições ao comércio mundial e, por fim, a despoletar uma escalada dos preços do petróleo (+47%), gás (+33%) e cereais (+34%). Ou seja, está-se perante uma crise “invisível e incolor’ em que o aumento acelerado dos preços não deixa de afetar salários, pensões, depósitos bancárias ou poupanças e, em consequência, gerando milhões de pobres.
Na década de 1970, a inflação de então foi vista como um mal maior da economia, sendo mesmo a causa do alto desemprego e de uma profunda recessão económica, a chamada “estagflação”. Ora, para o neoliberalismo estavam a ser criadas condições para, por um lado, findar o modo de gestão keynesiano ou intervencionista do capitalismo dominante desde o fim da 2ª Grande Guerra e, por outro, emergir um novo modo de gestão neoliberal do capitalismo (mercado livre e Estado mínimo). Prioritário passou a ser a luta contra a inflação, em particular, com a adoção de políticas monetárias restritivas e subidas das taxas de juro diretoras dos BC. Tudo isso feito à custa do emprego e do crescimento económico, ou seja, seria o preço a pagar para que as décadas seguintes de 1990 e 2000 fossem de baixa inflação e bem-estar geral!
Essa narrativa neoliberal tornou-se, contudo, numa miragem pois em inícios do século XXI com um cenário de instabilidade económica e financeira, as políticas monetárias restritivas entretanto adotadas pelos BC eram insustentáveis: crise económica e financeira de 2007/2008; crise pandémica; alívio da pandemia traz disrupções da oferta agregada e cadeias de distribuição, exercendo portanto, pressões inflacionárias e, por fim, eclosão do conflito Rússia-Ucrânia geradora de uma escalada dos preços, nomeadamente nos bens energéticos e alimentares. Ora, a escalada dos preços tem vindo a ser uma oportunidade para as empresas (conforme o seu maior ou menor poder de mercado) de alargarem as suas margens de lucro, repassando aumentos dos custos em energia e outros nos preços dos bens e serviços finais, criando, isso sim, uma verdadeira espiral “preços/lucros”. Face a crise atual com a escalada dos preços, os neoliberais voltam a defender a sua “velha receita” em que a saída da crise passa pela “moderação” salarial, redução da oferta monetária e subida da taxa de juro diretora dos BC, para segundo eles evitar o emergir de uma espiral inflacionária “salários-preços”. É a lógica neoliberal a funcionar, ou seja, acima de tudo há que salvaguardar a taxa de lucro média do capital. Porém, há aqui uma contradição insanável: “em contexto inflacionário a adoção de políticas económicas restritivas engendram, isso sim, novos ciclos de recessão económica”.
Concluindo, com a “estagflação” dos anos 1970 assistiu-se ao “findar” do modo de gestão keynesiano ou intervencionista do capitalismo e a sua substituição pelo modo de gestão neoliberal do capitalismo. Mas, desde inícios do século XXI que a realidade mudou com crises económicas, financeiras, pandémicas e inflacionárias a nível mundial. Ora, face a esta nova realidade presencia-se ao “ocaso” do neoliberalismo? Muitos economistas pensam que sim, apontando para a construção de um novo tipo de organização económica e social:

(1) Com efetiva regulação dos mercados.
(2) Com crescimento económico sustentado (amigo do ambiente).
(3) Com valorização do trabalho.
(4) Com maior justiça social.

Deixa o teu comentário

Usamos cookies para melhorar a experiência de navegação no nosso website. Ao continuar está a aceitar a política de cookies.

Registe-se ou faça login Seta perfil

Com a sessão iniciada poderá fazer download do jornal e poderá escolher a frequência com que recebe a nossa newsletter.




A 1ª página é sua personalize-a Seta menu

Escolha as categorias que farão parte da sua página inicial.

Continuará a ver as manchetes com maior destaque.

Bem-vindo ao Correio do Minho
Permita anúncios no nosso website

Parece que está a utilizar um bloqueador de anúncios.
Utilizamos a publicidade para ajudar a financiar o nosso website.

Permitir anúncios na Antena Minho