O preço da transparência
Ideias
2019-05-31 às 06h00
Houve eleições, e a cidadania esteve entre os derrotados. Aliás, perdeu mais do os outros juntos. A democracia de votações minoritárias e residuais emparceira com as ditaduras de partido único, com os absolutismos esclarecidos plebiscitários. Lembro-me do tempo em que os grandes democratas apelidavam de farsa as pseudo-eleições do bloco de leste: que não dizer, hoje, no Portugal manco.
Passamos ao lado do voto, porque estejamos convencidos de que a nossa opção prevalecerá, por acção de quem se dá ao incómodo? Ou, alternativamente, porque nada do que acontece nos diga verdadeiramente respeito, escaldados que estamos de tanto havermos sido ludibriados?
Nem quarenta e oito horas após o encerramento das urnas, ainda nem sabemos ao certo quem foi eleito, e já a imprensa de topo extrapola resultados para as legislativas, brincando com deputados a menos para este, a mais para aquele, aventando quem possa estriar-se no parlamento… Impingem-nos, de sobremesa, uma sondagem raquítica sobre quem deverá apoiar o PS para umas presidenciais, lá para não sei quando…
Será a imprensa uma das derrotadas subsidiárias, ou o carrasco do ideal democrático? Percebo que reduzido seja o frisson de uma pilha de testemunhos sobre as razões da abstenção. Na lavagem dos cestos, escolhemos facilmente os vitoriosos aos derrotados e, no restante, embarcamos na especulação criativa, exercício preferido à autópsia exaustiva da democracia participativa, despejada dos nossos espíritos, feita um sem-abrigo coberto de vergonhas.
E os “fóruns” e as “antenas abertas”: que seria da Nação sem os vazadouros radiofónicos! Se o Rio tem condições para ficar, se a Cristas não expirou a validade, se o Jerónimo não está a pagar o endosso. Ai! Mas o PAN é que sim! E o Bloco? Isso é que é gente! Tivesse uma abstenção deste calibre a ver com as lideranças de momento, com os impasses de projecto, com a estratégia de alianças, com a entrada a pés juntos ao orçamento, com um cabeça-de-lista em jeitos de cabeça-de-vento.
Tanto tem que estar mal, para que o cidadão não encontre como dar o desconto e compensar a pulsão social ferida em grémio vizinho. O PS não é tão radicalmente distinto do PSD, que o eleitor de um se sinta órfão e perdido quando os da sua predilecção primeira avinagram, como o vinho ao tempo. Idem, no emparceiramento CDS – PSD. Crescerá, o Bloco, capitalizando os esquerdistas de alma e coração que não se revêem na ortodoxia marxista-leninista? Terá o PCP perdido a capacidade de atrair e doutrinar, a despeito de uma interiorização dos preceitos da dialéctica materialista? Sim, se a realidade muda, porque é que a estrutura se mantém inalterada?
E, grosso modo, quão abertas e apelativas são as forças partidárias? Que cidadania ensinam? Com que rigor e justeza aprofundam os modelos sociais e o pensamento ideológico? Cubro-me de ridículo: são lá os partidos desta seriedade!
Sejamos capazes de reconhecer que somos cidadãos não-praticantes, com o mesmo orgulho, distanciamento ou repulsa que outrora reservávamos para nos definirmos como cristãos não-praticantes. Se a má conduta das igrejas debilitou o “homem religioso”, não será a má conduta dos governos e dos partidos que debilita o “homem social”?
Algum dia teremos que abandonar a cartada do comodismo dos indivíduos, ou porque chova, ou porque seja dia de praia e bom piquenique. Não vota, o cidadão, porque se sente enxovalhado. O homem comum pode passar a vida inteira distante do Poder, e não experimentar nenhum incómodo, desde que o seu voto seja tratado com dignidade. E não vale a pena florear: acreditamos, até um dia. Depois, descremos. É a vida!
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