Entre a vergonha e o medo
Escreve quem sabe
2022-04-12 às 06h00
Aquilo que a maioria quer não tem de ser necessariamente aquilo que um ou outro deseja. Muito pelo contrário, visto que existem algumas raridades que não se deixam levar pelas concertações da maioria – e ainda bem. Embora estas noções sejam estendidas a todas as dimensões das nossas vidas, há uma das mesmas que reflete de forma acentuada aquilo que daí deriva, que é a dimensão do trabalho.
De facto, é mais fácil sermos levados pela maioria. É mais confortável, traz-nos benefícios. Não existem grandes lutas, a coisa flui através de uma certa suavidade. Aliás, sermos levados pela maioria dá menos trabalho, menos canseiras. Mesmo que consideremos que a maioria se encontra errada, vamos sendo levados numa certa onda, numa certa maré, que nos vai arrastando sem grandes reflexões, tampouco pensamento crítico.
Há determinadas alturas das nossas vidas em que este facilitismo pode ser benéfico, especialmente para a nossa saúde mental. Todos temos períodos de uma maior sensibilidade, ou de maior fragilidade, e é mesmo necessário que não haja uma ação ou reação da nossa parte. Aliás, é importante que saibamos reconhecer estes períodos, pois a sua gestão deve ser efetuada para que a nossa estabilidade seja mantida: é algo quase instintivo. Dou os parabéns a quem sabe reconhecer os sinais dessa sensibilidade e atuar de acordo com a mesma: esse autoconhecimento é fundamental nas nossas vidas.
Ainda assim, pactuar com aquilo que a maioria considera seguir, embora sabendo ou reconhecendo que não se encontra correto é simplesmente uma forma subtil de covardia – ou falta de firmeza, como acharem melhor nomear. Claro que a situação se torna mais grave se vemos a injustiça a acontecer à nossa volta e nos calamos, não agindo, mantendo os nossos interesses à tona independentemente daquelas pessoas que se encontram a ser prejudicadas. Uma coisa será não nos apercebermos; mas conhecermos as situações, estarmos envolvidos nas mesmas e, ainda assim, manter o silêncio, particularmente por interesse, é algo que que a médio/longo prazo irá ser prejudicial para nós mesmos, quiçá até ao nível da nossa saúde. A consciência é, felizmente, mordaz.
Dá-me a infeliz sensação de que hoje em dia tudo é permitido e tudo é relativo. A mentira é valorizada, a humilhação, especialmente no tal mundo do trabalho, é tida como algo fundamental ao nível da gestão dos recursos humanos e os logros considerados como ferramentas estratégicas para a otimização daquilo que é a produtividade. A noção de «verdade» tem sido tomada de forma flexível, variando de acordo com aquilo que é mais interessante ou benéfico no momento. De facto, tudo isto se pode tornar uma grande infelicidade, visto que, nestes termos, a confiança também se pode tornar bastante opaca e flexível.
Podíamos tomar esta análise num sentido global, olhando até para aquilo que se encontra a acontecer na Ucrânia – num determinado sítio, uma maioria, pela força, decidiu invadir um país. Todavia, podemos aplicar aquilo que tem sido apontado até ao momento nas nossas vidas e pequenas realidades e, mesmo nestes microcosmos, sabemos perfeitamente identificar situações de injustiça que temos vindo a permitir ou humilhações que preferimos não combater. Mesmo nestes pequenos mundos nos é possível conhecer a nossa própria covardia, embora seja mais fácil apontar a falta de firmeza, ou de caráter, a todos os outros que se encontram à nossa volta.
É interessante verificar como o nosso sentido de auto preservação se consolida quando nos deixamos arrastar pela maioria. Parece que fica mais robusto, como se fosse até algo de normal deixar que os outros que se encontram à nossa volta sejam deixados à ventania do momento, desde que o nosso bem-estar seja mantido. Embora esta seja uma situação triste, a verdade é que tudo isto é mesmo real. A normalização da humilhação e do maltrato está a começar a surgir e, todos nós, temos uma certa parte de responsabilidade neste desvio que é esta nova rotina. Afinal, o que temos vindo a fazer para que a injustiça não se torne ordinária?
Se acredito que isto será sempre assim? Não. Como cristã que sou, mas acima de tudo como pessoa, custa-me bastante a aceitar esta normalização. Independentemente da religião ou da crença, o que aqui interessa são os valores tomados para a consecução das ações – e aí a situação grita muito para além das indicativas religiosas. Se dá trabalho termos de deixar de ser covardes? Dá. Se é necessária coragem? É. E muito mais trabalho dá e mais coragem é necessária se nos juntarmos a uma certa luta e nos deixarmos de determinados jogos de cintura. A saúde agradece, especialmente a nossa saúde mental. Porém, quem agradece mais é a nossa consciência, que pode ir repousando de forma mais tranquila e sem sobressaltos.
13 Junho 2025
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