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Braga, sexta-feira

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A dor que não se vê

Entre a vergonha e o medo

Escreve quem sabe

2018-02-13 às 06h00

Analisa Candeias Analisa Candeias

Imagine. Imagine só. Imagine que acorda diariamente com a sensação de que não dormiu toda a noite. Com cansaço. Que se pudesse, e o despertador permitisse, dormiria mais duas horas. No mínimo. Ou toda a manhã. Ou então nem sairia da cama. Imagine. E agora, imagine que, após a milésima tentativa para se levantar, lá se senta na cama, fica ali um bocado (grande), e sente que lhe dói tudo. Até o quinto dedo do pé aquele mais pequeno, esse mesmo. E o dia parece gigante. Que nunca mais vai acabar.
Agora repita esta ação de imaginar mais uma vez. E outra vez. E mais uma. E tente repetir todo o dia este cenário na sua cabeça. Até à noite. E aí, talvez aí, ficará com uma ideia imensamente residual e incipiente acerca do dia-a-dia de uma pessoa que apresenta fibromialgia. Que, ao contrário do que se diz por aí, não é invenção das cabeças que dela se queixam. Nem uma forma de histeria, claro está, de mulheres também já ouvi esta. E ainda outras: que esta coisa de doer o corpo todo é vontade de nada fazer, é preguiça, é querer faltar porque sim, é não gostar de limpezas de casa, é pura e concreta ilusão. Tudo. Já ouvi de tudo. E não, não apresento fibromialgia, mas conheço estas realidades.

O problema é que esta é uma doença real. Física, não fruto da criatividade pessoal de cada um. Que magoa, que estorva, que implica conhecimento. É uma doença que, de acordo com a Associação Nacional Contra a Fibromialgia e Síndrome de Fadiga Crónica (ver site), acompanha a pessoa para toda a sua vida, consistindo numa condição clínica complexa de causa desconhecida e que é caracterizada por dor músculo-esquelética generalizada acompanhada de um cansaço extremo, perturbações do sono, perturbações cognitivas, entre outros sintomas.
Muitos outros, tais como perturbações da ansiedade, do humor (depressão, p.ex.), enxaquecas, perturbações gastrointestinais, A lista é imensa e varia de pessoa para pessoa. Existe um enquadramento geral, mas os sintomas associados manifestam-se de forma diferente para cada um. E, volto ao início deste parágrafo, são reais.

No início dos anos 90 do século XX este problema foi, finalmente, reconhecido como uma doença, com direito a código na classificação das doenças preconizada pela Organização Mundial de Saúde. Até lá, foi muitas vezes entendida como algo fruto de uma fantasia, como algo derivante de um problema mental, como algo complexo, difícil de entender. Na população afetada por este problema, as mulheres encontram-se presentes em maior número por isso a associação da fibromial- gia com a histeria, em épocas remotas e espero que ancestrais (espero). Aliás, hoje em dia os homens que padecem desta doença são muitas vezes vítimas de preconceito, e não recorrem aos profissionais de saúde por vergonha, ou embaraço, sendo esta uma doença de mulheres. Atrasando o seu bem-estar e a sua manutenção de função.
Porém, qual é a causa desta doença? Não existe uma única causa. Existem fatores desencadeadores e que, combinados entre si, podem dar origem a este problema, como o stress, a acumulação de tensão, o choque emocional ou alterações hormonais.

Igualmente se fala numa provável predisposição genética, em que os familiares da pessoa com fibromialgia apresentam risco futuro de a manifestar. Provável. Sempre tudo provável, possível, sem certezas. O que torna esta patologia de tão difícil diagnóstico. E por vezes, de tão difícil aceitação. O tratamento passa pelos fármacos, mas não só - todo o tratamento não farmacológico e o envolvimento da pessoa são marcantes para uma manutenção da função diária e da qualidade de vida.
O tratamento sem medicamentos passa pelo exercício físico (adequado e apropriado a cada um), alimentação equilibrada, ioga, pilates, meditação, fisioterapia, termas ou aquilo que faça a pessoa sentir-se melhor, sem prejuízo do organismo ou da saúde.

A aceitação e o reconhecimento encontram-se em primeiro plano, só depois será possível a pessoa adaptar-se e transitar para um novo estado. Trabalhar o autoconhecimento, a autoestima, a autoconfiança também é importante, senão essencial, visto que estes podem esmorecer. Falar com o enfermeiro de família, ou com o médico, ser acompanhado, é um passo que ajuda ao controle e identificação de sintomas. Conheço pessoas que vão mantendo diários relativos à sua sintomatologia e bem-estar, não numa ação obsessivo-compulsiva de controlo, todavia para aprenderem a lidar melhor com as situações e imprevistos.
Agora imagine. Ou melhor, volte a imaginar. Desta vez que chegou ao final do dia gigante, após ter acordado 12 horas antes com o cenário que lhe apresentei inicialmente. Exausto. Mas eventualmente com filhos, tarefas de casa, responsabilidades a preparar, tudo e ainda mais alguma coisa para fazer. Imagine. Uma dor invisível e que se vai perpetuando ao longo dos dias que correm. E bem-vindo, mesmo que seja apenas na imaginação, ao mundo da fibromialgia.


Nota: para mais informação, poderá consultar o site http://www.myos.com.pt/

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