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Ideias
2014-04-14 às 06h00
O senhor Presidente da Comissão Europeia proferiu, no passado sábado, uma conferência em Lisboa, na qual teceu elogios a vários aspectos do sistema de ensino português, no tempo do Estado Novo.
O tempo em que vivemos, e que nos permite expressar livremente as nossas opiniões, leva-nos a respeitar esses elogios. No entanto, vou recordar alguns aspectos do ensino português, no tempo da Ditadura.
Durante o Estado Novo, o ensino em Portugal foi dominado pelo Estado;
Durante o Estado Novo, todos os professores que dissessem mal do regime eram expulsos das funções docentes;
Durante o Estado Novo, o sistema de ensino era regulado por manuais escolares únicos, nos quais estavam espelhados os valores tradicionais e ideológicos do Estado Português;
Durante o Estado Novo, a excelência do ensino era conseguida, quase sempre, pela força da memorização de conteúdos, da intimidação, da humilhação e dos castigos corporais;
Durante o Estado Novo, o aluno não podia demonstrar o seu espírito crítico nem a sua liberdade de pensamento;
Durante o Estado Novo, uma das características da escola portuguesa era a existência de salas de aulas com carteiras alinhadas, muitas vezes aparafusadas ao chão. Havia um estrado alto, em madeira, e uma secretária elevada para o professor, para demonstrar a sua superioridade em relação aos alunos;
Durante o Estado Novo, nas paredes existiam dois retractos: primeiro de Oliveira Salazar e de Óscar Carmona, depois de Oliveira Salazar e de Américo Tomás, e finalmente de Marcelo Caetano e Américo Tomás. No meio existia sempre um crucifixo;
Durante o Estado Novo, o analfabetismo era bem visto pelo Estado, pois desta forma contribuía para manter intactas as tradições e os costumes do povo português;
Durante o Estado Novo, o ministro da Educação, Eusébio Tamagnini, numa entrevista dada ao jornal “Diário de Notícias”, publicada no dia 21 de Novembro de 1934, explicava como se iria extinguir o analfabetismo, apesar de não ter verbas suficientes para atender a todos os casos de adultos e crianças que não sabiam ler nem escrever. Para ser resolvido, afirmou que o problema teria de ser simplificado, de acordo com as modernas descobertas pedagógicas, dividindo a população portuguesa em cinco grupos, a saber: 1.º Ineducáveis, que correspondia a 8%; 2.º Normais estúpidos - 15%; 3.º Inteligência média - 60%; 4.º Inteligência Superior - 15%; 5.º Notáveis - 2%;
Durante o Estado Novo, a preocupação quanto aos valores tradicionais portugueses estava presente em todas as acções do Estado. Em 1936 foi publicada a “Obra das Mães para a Educação Nacional”, cujo objectivo primordial foi a formação integral das mães e mulheres de Portugal. Esta obra, cujos estatutos foram aprovados em 1 de agosto de 1936, pelo Ministro da Educação Nacional, Carneiro Pacheco, pretendia ainda, de um modo geral, incutir de forma plena os valores da educação nacionalista nos jovens portugueses;
Durante o Estado Novo houve sempre o receio do envolvimento do poder local na educação, que já vinha sendo expresso, desde a segunda metade do século XIX (década de setenta), por vários escritores que, nas suas obras, referiam-se de forma negativa ao poder local e aos jogos de influência mesquinha aí existentes. Nestas obras literárias, era apresentada uma visão do município como um espaço povoado por uma “população boçal e analfabeta governada por uns caciques medíocres e incultos que manipulavam as eleições ao serviço da sua carreira política ou das clientelas dos partidos no poder” (Sousa Fernandes, 2005).
Só com a Constituição de 1976 foram aumentados os poderes do município na questão da educação, que passaram para uma vertente de cariz mais local e baseado numa democracia de base popular. O município passou de um simples financiador obrigatório da educação básica a parceiro social e elemento ativo da política educativa local.
Assim, em oposição ao Estado Novo, verifica-se actualmente que ao município compete a construção, manutenção e equipamento dos edifícios da rede escolar nos vários graus de ensino; a responsabilização na área dos transportes escolares; a comparticipação na Acção Social Escolar; a gestão dos refeitórios; a gestão do pessoal não docente; a participação nos órgãos de escola (Conselho Geral); na constituição dos Conselhos Municipais de Educação; na elaboração da Carta Educativa Municipal; nas parcerias para constituição de escolas profissionais, artísticas, ensino especial, etc.; no apoio às Actividades de Enriquecimento Curricular (AEC) e, na actualidade, de forma ainda mais visível, na definição da política de reorganização escolar, nomeadamente nos pareceres acerca da constituição e aprovação dos Agrupamentos de Escolas.
Uma vez que estamos a celebrar os 40 anos da Democracia, julgo ser importante recordar a educação no tempo do Estado Novo e compará-la com a actualidade. Felizmente, a liberdade que ainda nos marca permite-nos retirar as nossas conclusões, elogiosas ou não.
11 Outubro 2024
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