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A escola pública morreu e ninguém foi ao funeral

“Bullying”

A escola pública morreu e ninguém foi ao funeral

Voz aos Escritores

2023-06-09 às 06h00

Fabíola Lopes Fabíola Lopes

Não passe já à frente, caro leitor, permita-me a defesa deste ponto de vista tão acutilante quanto provocador.
Sou filha da escola pública. A geração dos meus pais também. Os meus avós já foram apenas filhos dos pais deles e da terra. Trabalhavam a terra e viviam do que a terra dava. E do que o corpo dava na exaustão do trabalho de sol a sol e muitas vezes noite dentro noutros ofícios paralelos. Na geração dos meus pais, talvez um pouco antes e definitivamente depois, a escola pública, a escola de massas e para as massas, cumpriu-se na sua glória e esplendor: a escada social. Essa é a sua primeira e maior missão. Permitir que alunos de meio social desfavorecido descubram talentos e interesses e que, através do seu esforço e dedicação, adquiram competências que lhes permitam aceder a uma outra profissão. A um outro crescimento pessoal e realização profissional. A valorização do conhecimento estava na base de tudo e a escola o meio para o seu alcance.

Entretanto a sociedade mudou, vieram novos veículos de acesso à informação, nem toda ela fidedigna. Vários ministros da educação deram o seu contributo para o desinvestimento na escola pública, desvalorizaram a missão dos professores, incitaram o desrespeito parental e desmoralizaram a classe docente, desde o tempo da ministra Maria de Lurdes Rodrigues.
Vou-vos falar da Maria, um nome representativo da classe docente, com base nos valores da TALIS (Teaching and Learning International Survey) de 2018. Maria é uma jovem que sonhou ser professora desde menina e para quem ensinar foi a sua primeira escolha, como para os 80% dos seus pares portugueses. A média da OCDE é de 60%. Portugal tem na sua maioria professores com educação superior de nível 7, mais de 95%. A média da OCDE não chega aos 50% neste nível. Escolheu esta profissão porque lhe permite influenciar o desenvolvimento de crianças e jovens (90%) e porque lhe permite uma contribuição para a sociedade (mais de 80%).

O tempo que a Maria passa a ensinar, efectivamente, por cada 60 minutos de aula, é de cerca de 15 minutos. Apenas alguns minutos abaixo da média europeia que não chega aos 20. Para isto contribui a elevada carga administrativa e os altos níveis de indisciplina e de bullying físico e psicológico. O nível deste por semana é mais elevado cá do que em Espanha e com tendência crescente. Esta semana um professor de 46 anos foi agredido por um aluno de 16 anos com uma barra de ferro. Haveria inúmeros casos de agressões e insultos para enumerar, casos de indisciplina grave que prejudicam as aulas e todos aqueles que querem aprender. E desgastam enormemente os que querem ensinar. Conheço imensas Marias, excelentes profissionais, que ao longo dos anos foram baixando os braços por força de tanta pancada e desilusão. Conheço outras tantas que persistem nas suas convicções. São níveis de resiliência diferentes.

Por toda a europa mais de 60% das Marias nesta nobre profissão pede aos seus governos que reduzam o tamanho das turmas e contratem mais pessoal. Quase a mesma percentagem pede aumento salarial. Mais de 50% solicita formação profissional de qualidade e a redução do trabalho administrativo. Na lista seguem-se a melhoria dos edifícios, equipamentos e recursos tecnológicos. O apoio a alunos com necessidades educativas especiais, a alunos migrantes ou de classes desfavorecidas também aparece logo a seguir.
Desde Novembro os professores estão em luta por estas razões, maioritariamente. Pela valorização e qualidade da escola pública. Mas sem grandes conquistas e com uma espécie de bailinho da madeira dado pelo ministro e a sua equipa. Porquê?

No formulário de candidatura eletrónica para 2023/24 há uma alínea que parece ter passado despercebida a toda a gente, incluindo sindicatos, onde se pode ler “Fotocópia do documento de autorização para o exercício de funções docentes em Portugal, candidatos de nacionalidade brasileira, nos termos do disposto…”. Têm amigos brasileiros? Perguntem-lhes sobre este assunto. A minha preocupação nada tem a ver com a nacionalidade, apenas com a preparação científica e pedagógica, com processos de equivalência e, em última análise, com a qualidade do ensino público.
A escola pública morreu porque deixou de conseguir cumprir a sua principal função de escada social. Ninguém foi ao seu funeral porque ninguém ainda se apercebeu seriamente disso, fora das escolas.

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