O fim da alternância
Ideias Políticas
2020-02-11 às 06h00
A Comissão Europeia abriu, nos últimos dias, um debate crucial para o nosso país relativamente à reforma das regras de controlo da política económica dos Estados-Membros. Esta iniciativa, temporal- mente coincidente com o Brexit, merece o nosso aplauso, tanto do ponto de vista da soberania nacional, como da capacidade de desenvolvermos a nossa própria estratégia económica e social, sem agravar os desequilíbrios fiscais.
O que mais salta à vista é a governança económica e embora esta seja especialmente necessária para os países da zona euro, é preciso assumir que a excessiva complexidade de todos estes procedimentos, devido à sobreposição de regras (pacto de estabilidade e crescimento, procedimentos para corrigir desequilíbrios, semestre europeu...), traz alguma opacidade à sua implementação. Em teoria, Bruxelas poderia ter imposto sanções de até 0,2% do PIB em dezenas de casos, mas na prática elas nunca foram aplicadas.
No entanto, é importante deixar claro que a reforma não deve contentar-se, apenas, com um esforço de simplificação. Salta à vista o rigor com que são aplicadas as regras em períodos de recessão, que é quando o apoio da política fiscal é necessário, e a pouca rigidez em períodos de expansão. É tão exagerado, para não dizer absurdo, o rigor com que as regras são aplicadas nos períodos de recessão, que é quando é mais necessário o apoio da política fiscal. A consequência é menos crescimento e mais desemprego na zona euro, onde os critérios são aplicados com maior severidade. Em Portugal, isso resultou em algo tão contraproducente quanto o déficit público primário (descontando o pagamento de juros) ter quase que dobrado durante os anos de crise, marcada pela austeridade.
O viés deflacionário da política fiscal europeia pode ser corrigido alterando os critérios para avaliar o cumprimento dos objetivos de cada país e, ao mesmo tempo, modulando as sanções (uma multa muito alta, devido à dificuldade política de a aplicar, pode ser menos dissuasora do que um sistema de acompanhamento próximo ou modular).
Convém sublinhar que o viés deficitário da política fiscal europeia pode, também, pode ser compensado através da criação de um orçamento anticíclico a nível comunitário, como por exemplo o seguro de desemprego europeu que complementa os sistemas nacionais. Esta, apesar de ser uma ideia que começa a ganhar força no contexto europeu, enfrenta a Liga Hanseática liderada pelos holandeses, relutante em aumentar o orçamento europeu. Perante este cenário, a única saída do impasse passa por inovar no financiamento ou compensar parcialmente esse orçamento anticíclico com reduções em outros programas.
Por outro lado, convém referir que o acompanhamento das economias é assimétrico, sobretudo porque a pressão de Bruxelas é exercida com maior força nos países deficitários do que naqueles que mantêm “superávits” orçamentais. Algo que, também e mais uma vez, contribui para o viés deflacionário da zona euro. Os apelos tímidos por um orçamento mais amplo na Alemanha contrastam com os rígidos avisos dirigidos à Itália, sob a ameaça, justificada, da intervenção correctiva. E não há procedimento de correção para excedentes excessivos.
Por fim, convém também referir que o endividamento do setor privado e os preços dos ativos financeiros e imobiliários merecem um acompanhamento reforçado. Não apenas porque as piores crises eclodem devido a desequilíbrios financeiros. Além disso, o impacto da política macroeconómica depende em grande medida da posição financeira das empresas e da habitação: quando estas estão altamente endividadas, as políticas fiscais e financeiras devem desempenhar um papel estabilizador; e, inversamente, em tempos de dívida privada, as políticas públicas devem apoiar a situação.
O diferencial favorável de crescimento da economia portuguesa, colocam-nos em boa posição para avançar na correcção de desequilíbrios e participar activamente da reforma económica da Europa, com propostas originais e inovadoras baseadas na nossa própria experiência.
19 Março 2024
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