A Cruz (qual calvário) das Convertidas
Ideias
2023-01-30 às 06h00
Não sei se os organizadores locais da Jornada Mundial da Juventude alguma vez participaram neste tipo de iniciativas como simples leigos a fazer a sua caminhada de Fé. Para quem vê de fora, este evento pode assemelhar-se a um grande Festival de Música que coloca em palco uma celebridade internacional ou então a uma visita de Estado que exige sempre um complexo protocolo. Seguindo este raciocínio, os custos avançados justificar-se-iam. O problema é que tudo isso anda demasiado longe do espírito de uma Jornada desta natureza.
Como católica, custa-me perceber os 160 milhões de euros que serão gastos de 1 a 6 de agosto na edição portuguesa da Jornada Mundial da Juventude. Também não percebo as razões que levam a concentrar tudo em Lisboa, quando Portugal tem dois lugares de culto com enorme significado para os católicos: primeiro Fátima e, numa outra escala, o Sameiro. Há quem discuta se, num Estado laico, os dinheiros públicos devem ser aplicados em manifestações religiosas. Acontece que, tal como está a ser desenhada, esta Jornada começa a ganhar uma dimensão que a coloca muito para além de uma manifestação católica.
A meio ano deste importante acontecimento, eis que os média noticiosos, e antes deles o Presidente da República, fizeram entrar brutalmente na agenda pública o tópico do custo de dois altares, construídos de base para aqueles dias, que poderá ultrapassar os sete milhões de euros. Da estrutura que ficará no Parque Tejo-Trancão já se garantiu o aproveitamento de partes da obra, embora ninguém tenha avançado qualquer concretização para tal uso. Quanto ao altar a erguer do Parque Eduardo VII, no valor de dois milhões de euros, tudo será construído para aqueles dias, sem haver perspetivas de reutilização. Dois milhões ao serviço de uma missa presidida pelo Cardeal de Lisboa, de uma sessão de acolhimento ao Papa e de uma Vida Sacra. É excessivo.
Um católico que faz o seu percurso de Fé não precisa de lugares de culto que ostentem opulência ou pompa. Por vezes, essa artificialidade impede mesmo um exercício espiritual que normalmente se desenvolve com despojamentos materiais. Quantas vezes precisamos de dispensar imagens e sons para refletirmos melhor... Se os organizadores desta Jornada tivessem perguntado aos jovens (que são realmente quem interessa cativar) como imaginariam os lugares de acolhimento destes dias em Lisboa, veriam que as respostas estariam muito longe destes percursos concebidos em conceituados gabinetes de arquitetura que veem nos palcos-altares obras não muito diferentes de outros palcos que visem albergar, por exemplo, uma cantora pop. Não podem estar mais equivocados, o que não teria importância nenhuma se, pelo caminho, não se esbanjasse (muito) dinheiro e, com isso, se afastasse um conjunto de fiéis para quem a Igreja dos homens tem vindo a somar alguns desapontamentos.
Olhar as maquetes dos altares pensados para Lisboa incomoda-me. Confrontado com estas obras, sobretudo com o respetivo custo, o bispo auxiliar de Lisboa e presidente da Fundação Jornada Mundial da Juventude, Américo Aguiar, disse que se sentiu magoado. O Vaticano também já fez saber que nada tem a ver com esta megalomania. Ora, se é verdade que há muitas pessoas a chamar a si decisões, convém não perder de vista que esta é uma Jornada da Igreja Católica. Que, por estes dias, deve agir com determinação a fim de travar despesas que ninguém percebe.
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