Correio do Minho

Braga, segunda-feira

- +

A festa da Papas do Samão

Premiando o mérito nas Escolas Carlos Amarante

Conta o Leitor

2019-07-07 às 06h00

Escritor Escritor

Graça Santos

Convidados por um companheiro natural do Samão, partimos de Braga, no domingo de manhã, bem cedo, alegres e prazenteiros, distribuídos em vários carros, rumo ao Samão, para assistirmos à Festa das Papas de S. Sebastião. Samão, uma aldeia envelhecida, rejuvenesce-se no Verão, na Páscoa ou na Festa das Papas de S. Sebastião, com a visita dos seus emigrantes e do Povo da vizinhança. A Festa das Papas, recuperada de ancestrais tradições serranas, monta-se no Samão de dois em dois anos, em ano pernão (ímpar), permutada, em anos pares, com a aldeia vizinha. A Festa, hoje, mantém-se à custa do esforço dos poucos braços vigorosos existentes, conforme nos veio a confidenciar um membro da Comissão Organizadora.
Chegados, encontramos uma aldeia rústica, empedrada, apertada, aconchegada,... perdida na serra com cerca de trinta habitantes habituais. Porém, nesse dia, logo à entrada, deparamo-nos com uma romaria de gente que se entrecruzava com a ocasional confusão de trânsito, provocando inúmeras paragens ou pacíficos engarrafamentos nas ruas sinuosas e estreitas, pouco habituadas a tal movimento. A passo de caracol fomos prosseguindo até que paramos junto à porta da bela casinha do casal anfitrião, onde, à saída dos carros, fomos “brindados”, com um enorme cagaçal de bosta - talvez devido à passagem dos bois festivos que iriam puxar os carros para o Campo do Santo!
A casa, minúscula, lembrava a do Portugal dos Pequenitos e encontrava-se encaixada no restante casario de pedra escura, envelhecida pelo tempo, destacando-se dele por ter a pedra lavada e por ter sido restaurada recentemente. Contava ainda com pequenas portas e janelas de cor azul-forte, nada comum no lugar. Os vidros das janelas, enfeitados com cortininhas de linho entremeado a renda de croché, davam-lhe um ar cândido e romântico. Daqui, no coração da aldeia, bem perto da igreja, iríamos dar início à nossa participação na Festa de S. Sebastião.
Instalados na casa, pusemos a mesa para o almoço e propusemo-nos a descobrir a casa e o espaço envolvente da festa. Primeiro, antes da missa, visitamos a igreja, antiga, pequena, onde se via preparado o andor processional de S. Sebastião, enfeitado de flores vermelhas do martírio. Depois, subimos a ladeira até à Casa do Santo, lugar comunitário onde os samonenses prepararam as Broas de Pão (misto de milho e centeio), durante toda a semana, noite e dia. E as famosas Papas, uma pasta gorda esbranquiçada, resultante da cozedura das carnes gordas de porco com farinha. As papas estavam a ser aquecidas em grandes potes de ferro sobre o lume vivo, de grossos troncos de madeira. Provamo-las ainda quentes, fortes e enjoativas para o nosso gosto citadino.
A seguir descemos a ladeira até ao largo, junto ao tanque, onde se encontrava uma chusma de gente abrigada do frio e da chuva que se fazia sentir e donde poderíamos ver passar a Procissão no final da missa. Aqui, pois, assistimos à passagem do Cortejo Religioso aberto com a cruz processional, o padre de alba branca e os homens da confraria trajados de opas vermelhas. Logo a seguir vinha o andor de S. Sebastião enfeitado com antúrios vermelhos, carregado a ombros pelos mais jovens e acompanhado pelo Povo que cantava fervorosas laudes ao Santo. A este cortejo, juntar-se-ia o Corso Pagão dos três carros de bois, engalanados que, respetivamente, puxavam os potes das papas com as talhas das respetivas carnes; as broas de pão; e a pipa de vinho. Agora, todo o restolho do Povo seguia atrás do séquito processional até ao Campo do Santo onde se faria a distribuição da comida e bebida. De fundo, acompanhava-nos o forte ranger dos “carros das vacas”, com rodas bem apertadas, que demonstravam o peso dos bens gastronómicos elaborados.
No planalto do campo, a céu aberto, as mulheres estendiam rolos de linho branco no chão, a servir de toalhas, enquanto os homens, juízes da festa, mediam meticulosamente com uma vara a “mesa” que serviria uma quanta gente que se alinhasse para comer, dum e doutro lado da toalha. A cada lanço da vara correspondia uma broa, uma malga de papas e um naco de carne que, de forma primitiva, se dividia pelos presentes e, deste modo, louvava o Santo protetor da Fome, da Peste e da Guerra. Tudo era distribuído pelos mais jovens, em cestos enfeitados de crochés vermelhos, naïfs. O vinho era servido a quem o procurasse junto do carro da pipa. E tudo rolava e se renovava para novos comensais. Atrás da oferta vinha a saca para receber os donativos de quem desejasse ajudar a custear as despesas. No final do repasto abria-se o bazar para leiloar as restantes broas, cujo cheiro e sabor recuperava memórias ancestrais na nossa cabeça. O lucro ajudaria, também, aos dispêndios da festa.
Nós, de regresso a casa do casal amigo, degustamo-nos com o nosso farnel partilhado, requentado no momento, regado com o vinho americano da terra (ou outras bebidas a gosto de cada um), seguido de ricas sobremesas e café.
Um lauto almoço a fazer jus à festividade local!
E terminamos gratos aos anfitriões que nos acolheram pelo belo dia que nos proporcionaram, repleto de alegria, convívio, cultura e bela amizade.

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