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A força do martelo

A responsabilidade de todos

A força do martelo

Voz aos Escritores

2019-09-13 às 06h00

José Moreira da Silva José Moreira da Silva

Tenho na mente um martelo. Ando com o Nietzsche atravessado, e estas coisas do pensamento anárquico conduzem-nos, bastas vezes, a becos sem saída ou a descobertas mirabolantes. Imaginem só: procuro no dicionário sinónimos de «martelo» e o que me aparece? Surge-me um «malho», um «maço», um «macete», uma «marreta» e uma «matraca».
Menos mal que há palavras masculinas e femininas, se não a questão de género mostrava-me os dentes e eu daria a fugir. Reparem, porém, num pormenor: todas estas palavras começam com a letra «m», imediatamente seguida da vogal «a», que formam uma sílaba comum às seis palavras. Que relação etimológica haverá entre elas? Aparentemente, nenhuma. Então, por que razão todas elas começam por «ma»? Haverá alguma relação entre um objeto, ou a sua imagem, e uma ação específica que ele pode concretizar? Que relação simbólica se pode estabelecer entre uma forma significante silábica e um qualquer processo de pensamento?

Juro que não sei. A verdade, porém, é que as palavras estão aí, com o mesmo sema básico, e são usadas por todas as pessoas que as usam, literal ou figurativamente. O que se faz, por exemplo, com um martelo de bola, de pena, de orelhas, de forja, de estofador ou de pedreiro? Para mim, todos servem para martelar, claro. Será, no entanto, que o pedreiro martela com um martelo de estofador? Pergunte-se a estes profissionais, e eles explicarão a função.
Eu gostava de saber com que martelo fez o senhor António aquele vinho carrascão que bebemos anteontem na sua adega, ou com que martelo fazem os políticos algumas leis que não têm pés nem cabeça. Vinho e leis a martelo são trapaça, são um enormíssimo macete, palavra que serpenteia entre o golpe seco e o engano.
Há uma expressão, genuinamente portuguesa, que dá conta da consequência deste facto, equivalente de ficar entre a espada e a parede: entre o martelo, ou o macete, e a bigorna.

Geralmente, ficamos assim, indecisos, perante a trapaça. Às vezes vergastam-nos com um torturante «és um marreta», e, por muito que pensemos na marreta, compreendemos o alcance da dura imprecação.
Como disse, falo destas coisas por causa do Nietzsche e do seu martelo crítico, imaginado para destruir as idolatrias e os falsos deuses, para provar a vacuidade da falsa elevação. Num mundo tão postiço, tão faz-de-conta, em que analfabetos são elevados a pedestais ocos de sabedoria, é bom saber que alguém manda fechar a matraca dessa imprudente gente, que, mais dia menos dia, cairá que nem um malho ao som da fantástica música de Wagner, justamente intitulada «Crepúsculo dos Deuses».

Admiro Nietzsche e esta referência a Wagner, pela sua esclarecida luta contra certos conceitos filosóficos e valores morais anquilosados. Num mundo de profunda ilusão e grande engano, de redes sociais onde a verdade se engalana de mentira, o martelo de Nietzsche decidirá se Sunset Boulevard (o Crepúsculo dos Deuses), do Billy Wilder, narrou a realidade e aniquilou os ídolos.
Um martelo tem um poder simbólico extraordinário.
Não é por acaso que os juízes o usam no fim das suas sentenças.?

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