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A imprensa como repositório da identidade local

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A imprensa como repositório da identidade local

Ideias

2023-09-24 às 06h00

Artur Coimbra Artur Coimbra

1. Na passada sexta-feira, teve lugar no Teatro-Cinema de Fafe a Gala do 83.º ano do jornal “Povo de Fafe”, o mais antigo periódico local ainda em circulação, depois de o centenário O Desforço ter expirado, já lá vão mais de duas décadas.
O momento foi aproveitado para premiar personalidades e instituições locais, que se salientaram em diferentes níveis no contexto fafense, lançar uma obra do director do periódico, Ribeiro Cardoso, sintetizando os seus 50 anos dedicados ao jornalismo local e nacional e, em suma, evidenciar o papel da imprensa local como factor de coesão social nas comunidades em que se insere.
O que é tanto mais importante quanto vivemos um período conturbado na sociedade portuguesa, em que as redes sociais vão moldando sub-repticiamente as mentalidades dos cidadãos, nem sempre no melhor sentido. Quantas vezes, os algoritmos vão contribuindo para a manipulação dos mais incautos, com informações deliberadamente mentirosas e fraudulentas, com o recurso às chamadas fake news, que levam tantos leitores a acreditar em falsidades, em aldrabices, em patranhas, que se vão espalhando pelo espaço mediático, sempre com objectivos bem precisos, de condicionar as consciências e o pensamento dos utilizadores num determinado sentido, seja no quadro do aliciamento político, seja no âmbito de objectivos comerciais ou de outra índole.
Por isso, a imprensa continua a ser um baluarte de verificação de factos, de apuramento da verdade, do triunfo diário da ética, de garantia de que os leitores não são enganados ou manipulados, porque os textos que são publicados têm assinatura explícita ou remetem para a responsabilidade da direcção, que por eles terá de responder.
O que significa que, num jornal local, ou nacional, não há lugar para a mentira encapotada sob o manto do vil anonimato, como é timbre frequentemente do que se vai lendo nas redes sociais, a maior parte das vezes autêntico esgoto de maledicências, calúnias, frustrações, cobardias.
Outro lado da positividade da imprensa local: os jornais constituem um repositório inigualável em torno da identidade local.
Por isso, a imprensa local é uma das fontes mais utilizadas e potenciais para a escrita da história de cada concelho, localidade, pessoa ou instituição. Ela escreve sobre a forma como decorreu determinada inauguração, como foi vista um certo acontecimento ou quando faleceu uma personalidade de vulto no meio. Está lá tudo. As pequenas e as grandes notícias, o nascimento, o casamento, o falecimento, a partida para o estrangeiro ou a abalada para férias na Póvoa de Varzim, a ida a Lisboa do Presidente da Câmara para reunião com ministros, numa altura em que a influência política era o melhor cartão de visitas e não havia as finanças locais, as eleições na Santa Casa da Misericórdia, as reuniões das mais importantes instituições da cidade, os cortejos para o Hospital ou para a Igreja, a Volta a Portugal em Bicicleta…
A imprensa local sempre foi um elo de ligação entre os habitantes das vilas e aldeias e o seu jornal, tantas vezes feito artesanalmente, ou com poucos meios, e enfrentando as maiores dificuldades.
Também é e sempre foi um canal de mensagem para as comunidades portuguesas espalhadas pelo mundo, que lêem avidamente e com o maior interesse todas as notícias e até a publicidade que os periódicos inserem e que acaba por ser um dos seus meios de subsistência económica.

2. A imprensa tem-se feito eco nos últimos dias de uma polémica que envolve uma decisão do Presidente da Câmara Municipal do Porto de retirar uma estátua que representa o romancista Camilo Castelo Branco e uma mulher nua, localizada em frente à Cadeia da Relação do Porto, onde o autor de “O Amor de Perdição” esteve preso.
No seguimento de uma petição, de 37 signatários, entre os quais Mário Cláudio, Ilda Figueiredo (que alteraria a sua posição), Artur Santos Silva, Bernardo Pinto de Almeida e António Lobo Xavier, Rui Moreira deu instruções para remover a estátua de Camilo, da autoria do consagrado escultor Francisco Simões.
Os autores da petição falavam em "desgosto estético" e "desaprovação moral" e intitulam o exemplar como "mais ou menos pornográfico".
O Presidente da Câmara considerava a escultura “deselegante obra” e pretendia a sua remoção para as reservas municipais.
Logo o escultor manifestou o seu desagrado e quis reaver a sua obra, que havia doado à cidade há mais de uma década.
Entretanto, circulou uma petição em sentido contrário, “pela não remoção da estátua de Camilo”, por não a considerar pornográfica nem atentatória dos “bons costumes”.
O certo é que Rui Moreira voltou atrás na sua decisão e vai manter a estátua no local onde se encontra desde há 11 anos. E muito bem, porque estamos a falar, na prática, de juízos morais e não de juízos artísticos.
Há quem verbere o revisionismo da ideia, sempre perigoso. E quem ache: porquê onze anos depois? Porque não houve a movimentação contra a nudez da estátua na altura em que foi colocada no jardim fronteiro à Cadeia da Relação?
Nudismo? Sexismo? Ou a manifestação da onda de puritanismo que invade o mundo e Portugal também?
Outra questão pertinente: que representam 37 notáveis, por mais notáveis e ilustres que sejam, perante um universo populacional de centenas de milhar de portuenses???
E quem manifeste grande perplexidade, pelo facto de "50 anos depois do 25 de Abril, ainda se julgarem as coisas com regras de moral de bons costumes".
Como alguém escrevia, por estes dias, porque não discutir a remoção do Marquês de Pombal, em Lisboa? Porquê? Sebastião José de Carvalho e Melo, ministro de D. José I e futuro Marquês de Pombal, foi responsável por um massacre que chocou a Europa da altura. Os membros da nobre família Távora foram executados em público, sob o pretexto de uma tentativa de regicídio.
Outro exemplo: o Marquês mandou atear fogo na Trafaria, em 1777, alegadamente porque “ali se alojavam criminosos, e os pescadores não pagavam os impostos”. O presidente da Câmara de Lisboa não quererá remover a estátua da praça com o nome do político que redefiniu parte importante da capital após o terramoto?
Por essa ordem de ideias, qualquer dia volta a pedir-se a demolição da Torre de Belém ou das estátuas relativas aos descobrimentos, pois representam a agressão de Portugal e da Europa aos povos indígenas de África, da Ásia e das Américas…
Por essa ordem de ideias, qualquer dia não há marcas históricas nas cidades, se começa a imperar o gosto moral do século XXI.
E, como me farto de proclamar, a História é para se compreender, para se estudar, para se analisar, não para se julgar pelos juízos e princípios morais e éticos do nosso tempo!

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