Vem aí o Derby do Minho… orgulho, identidade e tradição
Escreve quem sabe
2024-11-09 às 06h00
Manhã nebulada como só no inverno de Lima podem estar. Não aquele nebulado de ver o céu e estar cinzento. É viver nesse mesmo céu, numa nuvem. Fôramos peixes e poderíamos guelrar; não fosse o penetrante frio e nadaríamos, até encontrar o sol na superfície do etéreo lago. Não é por acaso que os limenhos alcunharam a cidade como La Gris, a cinzenta.
Era 2012 e apenas há alguns meses me tinha mudado para a capital do Peru, que conhecia desde lá ter ido seis anos antes, para escrever Quando o Sol se Põe em Machu Pichu. Realmente, talvez tivesse sido porque o destino queria unir-me à Yvonne. Pelo menos a Yvonne acredita nisso e eu não nego. Conforta-me quando outros acreditam nos mistérios que eu não, podendo assim, de vez em quando, abrir a arca dos sonhos, tão reconfortante quando feia parece a vida pisada no chão.
Nesses tempos da descoberta do Peru tinha a mesma vontade de conhecer de um cachorrinho pela primeira vez solto no jardim. Não sei se o senhor já teve essa experiência: são capazes de se interessar por tudo, de ver novidade em tudo, saltitar de objeto-de-atenção em objeto-de-atenção, capazes até de meter o nariz naquele pequeno ser voador, com corpo listado de amarelo e preto e que passa de flor em flor numa azáfama muito sua. Deve vir daí aquela expressão de “não meter o nariz onde não se é chamado”. Assim estava eu nos meus primeiros tempos de Lima.
Nessa manhã o trânsito fumegava como sempre àquela hora. Lento, buzinante, os velhos miniautocarros aqui conhecidos como combis concorriam uns com os outros, em embraiadas lutas para conseguirem adiantar-se aos concorrentes, por entre aquele labirinto automóvel em que a Avenida Arequipa estava transformada. Os cobradores pendurados nas portas com o destino em pregão: “Toda Arequipa Tacna Wilson, toda Arequipa Tacna Wilson”; “A la Molina, a la Molina”; “La Punta Callao, la Punta Callao”.
Não sei se já lhe disse que tinha de ir ao centro da cidade, ao serviço de Estrangeiros, a tratar da minha papelada, expressão que nos ficou do passado e às novas gerações deve ser tão estranha quanto em miúdo quando ouvia a minha avó chamar pena ao que obviamente era uma esferográfica.
Era nesse turbilhão de motores que eu deveria estar à procura de um táxi. Fique a saber que em Lima há-os formais e informais, mas a única diferença entre uns e outros é a cor e um numero que levam os primeiros, porque qualquer cidadão põe um letreiro com a palavra no para-brisas e metamorfoseia-se taxista. Isso sim, o primeiro conselho é não entrar nem nuns nem noutros sem primeiro dizer para onde vamos (não, minha senhora, por amor da Santa deixe-se de filosofias, refiro-me à chamada “concreta e definida” realidade) e negociar o preço. Quando não, a surpresa final pode ser muito desagradável, sobretudo quando se apercebem de que somos estrangeiros. Quando sim, é até mais justo do que nos países onde se usa taxímetro: no Peru já sabemos quanto nos custará a corrida, vá o condutor pelo caminho que vá, que o custo acrescido não é medido em plins numa geringonça, palavra à qual já é tempo de devolver a dignidade do seu original sentido.
Continuava com o meu ar de cachorro em liberdade, olhando para tudo com algum deslumbramento, respirando a novidade, mesmo quando fumo dos motores cansados das combis e dos barulhentos carros velhos, de carros remediados e de altivos todo-o-terreno de última geração… a avenida Arequipa é um concentrado da sociedade peruana.
Finalmente lembrei-me para que estava ali e fiz sinal a um velho veículo com o papelito “Taxi” posto pelo lado de dentro. Negociei seus 10 soles para ir ao serviço de Migraciones, numa rua do centro, curiosamente cruzada pela Avenida de Portugal, o que dá certa lição a alguns cómicos que noutras latitudes reclamaram porque a um jardim de Braga foi dado o nome de Brasil.
Já dentro, tirei a boina e sacudi-a, porque se em Lima nunca chove, a humidade impregna… E a conversa começou.
Gosto de falar com taxistas. Aprende-se muito e não há melhor forma de conhecer os estereótipos de um país. Com o condutor de uma aplicação eletrónica não há conversa como aquelas. Tem medo, coitado, no fim é avaliado e não pode deixar escapar alguma coisa que incomode ao soberano cliente.
Mas aquele taxista era livre e contou-me uma história fantástica. Tenho muitas histórias fantásticas contadas por taxistas, nenhuma como as de Lima. O editor, porém, limitou-me os caracteres e sou obediente. Não é, portanto, culpa minha que só lhe possa contar na próxima crónica. Fica o título, que nada tem a ver com o já escrito, mas com o ainda por escrever.
Nota:?Luís Novais nasceu em Braga, e vive em Lima, no Perú. É escritor, jornalista, professor de literatura, CEO duma empresa mineira… bipolar.?
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