Correio do Minho

Braga, quinta-feira

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A memória do primeiro beijo...

Os bobos

Conta o Leitor

2022-07-07 às 06h00

Escritor Escritor

Texto Jorge F.

O primeiro beijo marca uma fronteira, define um antes e um depois na nossa vida: pequenos viajantes chegados a inicial cume, dele se rasgam horizontes, se vislumbram novos mundos a conquistar, dele a carne fala da atração do mundo por nós...
Definidor de limite, de um antes e de um depois, apresenta-se pleno de contradições: misto de inocência infantil e curiosidade adulta, é símbolo perfeito da adolescência... Mas ao contrário da primeira relação sexual, do primeiro beijo nada de traumatizante pode advir: voamos nas asas do destino, peito pleno d’ar, o mundo e a vida são harmonia una...
Jamais se esquece o lugar do primeiro beijo... Para o ser humano, o espaço nunca será uma massa uniforme: haverão sempre luminosos “espaços sagrados” plenos de significado e cinzentos “espaços profanos” indiferenciados…
Passar no local onde beijei L. é viagem à eternidade daquele passado sempre presente... O veludo dos lábios, a doçura do seu olhar, o odor de tão macias mãos, acompanhar-me-ão enquanto existir pois, verdadeiramente, só aí comecei a viver...
- “Promete-me que serás sempre digno deste momento…”
Era Outono no Tempo, Primavera na alma… na tarde sublime do calor das pedras, o mel dos dias iluminava searas de pão, a memória gravava o doce respirar dos amantes…
Prometi a L. eternidades de inocente sentida paixão, juntos conquistaríamos as armas do porvir, combateríamos o bom combate dos justos, de nós brotariam sementes de melhor humanidade…
...Caminhámos no silêncio dourado das pradarias, percorremos verdes vales verdejantes, atravessamos rios de prata, celestial Céu diáfano estava connosco pois puros eram nossos corações e recto nosso querer...
Dias, porém, passaram… Invernos tenebrosos venceram tépidas auroras, nuvens sombrias apagaram o azul dos dias...
Tormento da alma e padecimento do corpo, deuses e homens antagónicos a tão pueril felicidade destruíram os castelos d’areia por nós erguidos e em meus dias neguei a promessa feita a L....
Chegado aos terrenos áridos da idade adulta, por entre espinhos e desertos de água, alimento e sabedoria, cobardemente, fui forte com desventurados e fraco com altivos, triste imagem de mim dei aos Céus e aos homens, poucos talentos que tivesse derreti-os qual filho pródigo...
... Cúmulo de triste e sádica ironia, miserável Fortuna e inexorável Fado acabaram não só por separar os jovens amantes, como condená-los a jamais se voltarem a ver...
L. partiu em jornada sem retorno, da solidão, tristeza e desesperança fiz minhas companheiras de vida... Sempre competentes e dedicadas não raras vezes convidaram prima humilhação para superior cumprimento de sua divina missão de minha desventura punirem...
Na aridez atual da caminhada, por entre maleitas do corpo e dores da alma, vislumbrando já as terras do fim, imagino a vida de L., como teria sido seu viver se comigo tivesse continuado pelas manhãs sentindo a alegria luminosa das vitórias, a melancolia do seu lado lunar, o olhar cúmplice dos amantes sempiternos, o calor da palavra amiga...
Reconforta-me regressar a esse dia inicial e puro onde o tempo parou e à nossa volta mais não havia que o silêncio harmónico das esferas siderais...
Imagino L. feliz!... uma onda de paz perpassa-me os átomos e apazigua-me o espírito: saber que pelo menos para ela a vida valeu a pena!... presumir que o Destino a poupou de viver com medo de existir, sempre aos outros pedindo desculpa por respirar, vivendo de joelhos sem a coragem de um dia se colocar de pé e cair de vez porque é assim que morrem os homens dignos...
Jamais voltarei a ver L.... Presumo ainda vivos seus meigos dourados olhos reagindo ao terno olhar, seu transformado corpo ainda templo de divina mulher, sua alegria de viver vitoriosa das agruras...
Judeu exilado junto ao rio da Babilónia, amarguradamente, choro meu vil destino aos deuses implorando pela felicidade daquela qu’outrora pensei poder comigo conquistar o mundo e a vida...
Jamais voltarei a ver L. mas na memória, eternamente, guardarei o (lugar sagrado do) meu primeiro beijo...

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