Correio do Minho

Braga, segunda-feira

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A minha Primeira viagem num transatlântico

Premiando o mérito nas Escolas Carlos Amarante

Conta o Leitor

2014-07-25 às 06h00

Escritor Escritor

Finalmente viera um dia mais luminoso, daqueles em que o sol nos enche de esperança e nos faz sentir a alegria de viver. As mais gratas recordações do passado surgem-nos então de forma tão calma, infundindo-nos tranquilidade e desenhando na nossa mente, com perfeita nitidez, os episódios que agradavelmente nos marcaram. E sem darmos conta do tempo que passa, ficamos absortos, como que presos por encantamento, vendo desfilar imagens do que vivemos e experimentando a sensação de uma real segunda vivência dessas épocas.
Já vos sucedeu isto? Confesso que inúmeras vezes me surpreendo nesse doce devaneio pelo pátio da minha saudosa, porque feliz, infância. Sim, tive, Graças a Deus, uma infância feliz e reconheço que nem todos tiveram essa felicidade, porque cedo começaram a sentir o amargo peso do duro trabalho dos campos, a fome e o abandono, não tendo o conforto de um lar provido do essencial para viver e muito menos, carinhos de alguém que à noite, antes de adormecerem lhes oferecessem a doçura de um beijo de boa noite e lhes aconchegassem os lençóis e os cobertores, se é que estes existiam.
E hoje têm-me vindo à mente muitas passagens da minha sã meninice que me proporcionaram meus Pais adoptivos que me criaram desde os 21 meses, (por eu ter ficado órfã de pai e mãe) .
Se não fossem eles que tantos anos me dispensaram, eu teria vivido uma existência semelhante à que acima descrevi, porque a minha origem é deveras muito humilde.
Mas vou partilhar um pouco das minhas recordações relatando uma acho engraçada, pelo menos a mim faz-me sorrir, pela fácil solução que encontrei para o passatempo que me fora proposto. Era a nossa primeira viagem para África . Circunstâncias menos favoráveis levaram-nos àquelas saudosas paragens, deixando para trás a casa arrendada em Lisboa e outras duas que meus pais possuíam numa Vila de Baixo Alentejo.
Eu tinha então 5 anos e lembro-me de subir para um enorme navio, de seu nome PÁTRIA - tanta gente nele deve ter viajado! - e ver a tripulação toda vestida de branco. Como se fossem os príncipes das figuras dos livros de histórias que me ofereciam, deixou-me deslumbrada.
Também foi um fascínio deparar com os beliches no camarote, pois eu nunca tal visto, as camas assim sobrepostas. Só me era familiar a minha confortável caminha de grades cor-de-rosa.
E que engraçadas aquelas janelinhas redondas que nos deixavam ver o mar. Entretanto chega a hora da partida e o navio soltou um silvo prolongado e lentamente foi-se afastando do cais e Lisboa ia-se distanciando enquanto as pessoas no cais iam desaparecendo como uma nuvem que depressa se dissipasse.
Que deslumbramento a sala das refeições, enorme, e com tantas mesas repletas de gente! O que eu mais gostava era o pequeno almoço. Redondinhos e pequenos lá estavam num prato uns pãezinhos mesmo minúsculos - chamavam-lhes o pão de três tostões - mas apreciava sobretudo o prato com os bolinhos sortidos. Era mesmo uma atracção para os ávidos olhos infantis. Mas conforme fui ensinada, só retirava o bolinho que realmente me agravada, sem tocar nos outros.
A viagem era agradável (claro, para quem não enjoasse). E de tarde, a par de várias diversões, como bailes para jovens e adultos, havia também cinema para os mais pequenitos. Agora eu já via calmamente os filmes porque a primeira vez que fui ao cinema, ainda em Lisboa, ver o Rato Mickey, cada vez que a imagem aumentava dando a impressão de avançar na nossa direcção, eu instintivamente tapava os olhos com medo. Enfim, outros tempos!
Como era linda a estrada de espuma branquinha, de água rendilhada que o barco ia deixando atrás de si ! Algumas vezes, na longínqua linha do horizonte avistava-se a silhueta de outro navio e havia então um cumprimento ou saudação trocada entre ele e o nosso com o soltar simultâneo dos seus silvos. Era uma alegria tal suceder, porque a vastidão do mar fazia-nos sentir isolados de mundo.
Mas é altura de vos contar que solução encontrei para o tal passatempo, que já estava a fazer-me perder a paciência.
Quem antigamente fez estas longas viagens recordar-se-á e certamente sorrirá comas partidas, género praxe , que faziam a quem pela primeira vez passasse o Equador. Principalmente entre os jovens, verificava-se o inevitável arremesso para a piscina e como eu julguei que pudesse ter o mesmo destino, por precaução , não fosse o diabo tecê-las , nesse dia resolvi não sair de junto da minha Mãe.
Afinal para os pequenitos, prepararam jogos de que me lembro bem.
O primeiro era o desenho de um cão, a giz, no chão, mas faltando o olho e a cada um dos concorrentes era entregue o giz para desenhar o olho no sitio apropriado. Porém vendavam-nos os olhos, faziam-nos rodopiar duas ou três vezes e eu estonteada fui desenhar o olho numa pata.
Quanto ao segundo jogo havia uma série de bolachas enfiadas num fio cujas pontas dois adultos seguravam e ora subiam, ora desciam o fio, enquanto nós, de mãos atrás das costa tínhamos de apanhar a bolacha com a boca.
A determinada altura perdi a paciência, já cansada de esticar o pescoço e não apanhar a malandra da bolacha saltitona e zás! Joguei a mão e comi-a.
Claro, fui desclassificada e como prémio de consolação ganhei um coelhinho de plástico azul, de orelhinhas muito arrebitadas.
Mas com cinco anos, que forma é que eu tinha para vencer a rapidez com que os dois adultos levantavam a feira das bolachas?
Como as crianças arranjam sempre soluções tão facilmente!

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