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A minha vida dava uns livros

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A minha vida dava uns livros

Ideias

2024-07-24 às 06h00

João Marques João Marques

Antes das férias, nada melhor do que deixar boas notícias que permitem desenfastiar do menu geralmente mais sombrio disponibilizado pela atenção mediática.
Na última sessão da Assembleia Municipal foi aprovada uma proposta verdadeiramente inovadora e que merece pública divulgação.
O ‘Programa Municipal Crescer Braga – Projeto As Minhas Primeiras Páginas’, aprovado por unanimidade, diga-se, visa promover a igualdade de oportunidades de acesso ao livro e à leitura. Com ele, o município pretende oferecer livros a todas as crianças residentes no concelho. Periodicamente, e até que perfaçam 17 anos, as crianças receberão obras selecionadas para a sua idade em datas marcantes, como sejam o nascimento e os sucessivos aniversários.
De acordo com o regulamento do programa, caso os progenitores (ou as pessoas a quem esteja confiada a guarda dos menores) promovam a inscrição das crianças no projeto “As minhas primeiras páginas”, a oferta de livros ocorrerá em 3 fases distintas. A primeira será a do nascimento da criança, altura em que será feita a oferta do denominado “kit novo leitor”, com um primeiro livro incluído. Já num segundo momento, a partir dos 2 anos, e até aos 18 meses, serão oferecidos livros nos diferentes momentos previstos no Programa Nacional de Vacinação. Nesta fase, de cada vez que a criança se desloque ao respetivo centro de saúde para a agendada toma das vacinas receberá um livro. Assim, e no cumprimento do respetivo programa de vacinação, um novo livro será entregue aos 2, 4, 6, 12 e 18 meses de idade.
Na fase seguinte, e até aos 17 anos de idade, por cada aniversário da criança ou jovem, o município oferecerá igualmente um livro.
Uma ideia simples, mas que ainda assim implica o investimento de perto de cento e vinte mil euros por ano, transforma Braga num concelho referência na promoção do acesso à cultura e na luta pela materialização da relação entre os seus munícipes e as obras literárias.
Por outro lado, e independentemente dessa educação para o respeito pelo “objeto literário”, o fundamental é sinalizar que em Braga, o poder político entende ser uma prioridade reforçar os laços dos seus cidadãos com a cultura, com o conhecimento e com um meio insubstituível da transmissão das vivências humanas.
A ligação feliz entre a oferta dos livros e os momentos nucleares da vida da criança (e, por arrasto, do seio familiar onde ela se desenvolve) criam uma identificação e um hábito que tornam indissociáveis essas celebrações e o acesso às novas histórias e mundos que apenas a literatura permite alcançar.
Não menos relevante, numa época em que muito se discute o caminho que, como sociedade, temos vindo a trilhar rumo à dependência intelectual dos meios digitais, designadamente quanto à internet e, mais recentemente, à famigerada inteligência artificial, é o facto de este programa incutir, direta e indiretamente, o desenvolvimento do espírito crítico.
A crise de mediação entre a verdade e a mentira, entre a ciência e o charlatanismo, entre o saber e o opinar, superiormente potenciada pelas redes sociais, faz perigar as fundações sobre que repousa a intelectualidade e o conhecimento que os seres humanos têm vindo a construir e que se vem expressando de modo único na literatura, ao longo dos muitos séculos que a escrita já conta.
Entre estes fundamentos, o espírito crítico, ou seja, a capacidade de refletir e discernir o que devemos ou não aceitar como proposição válida, sabendo ou problematizando as consequências dessas premissas, depende muito do acervo de conhecimento e das experiências a que somos expostos ao longo da vida.
Essa capacidade de separar o trigo do joio é o que nos permite evoluir individualmente, mas também é o substrato essencial que faz de nós sujeitos ativos da construção de uma sociedade baseada na tolerância, no respeito pela diferença, no justo equilíbrio entre a racionalidade e a compaixão. Esse esclarecimento dá-nos a perspetiva que vê na cultura um fator de identificação e, ao mesmo tempo, de saudável distinção entre nós e os outros. A diferença que aparta sem destruir, a herança que aproxima sem diluir.
Um singelo projeto como este é, por isso, mais do que aquilo que anuncia. É publicidade enganosa, mas da boa. Dir-se-ia, até, tratar-se da tradução do programa político de uma Coligação na verdade poética que sempre animou as hostes que a ela aderiram e por ela produziram a mudança de que Braga tanto precisava. O anonimato e relativo silêncio em que foi deixado pelos membros da assembleia municipal, merece aqui uma compensação em forma de expressão vocal (ainda que escrita, como bem se ajusta) de apoio e congratulação aos seus responsáveis, na pessoa da vereadora Sameiro Araújo. Uma felicitação por aquilo que ele é, como sobretudo por tudo quanto pode aos nossos filhos permitir ser.

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