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Braga, segunda-feira

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A noiva

Premiando o mérito nas Escolas Carlos Amarante

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Conta o Leitor

2020-08-31 às 06h00

Escritor Escritor

Texto José Händel de Oliveira

Gentil e sensual, Alice nos seus vinte anos de esplendorosa beleza e elegância, senhora de uma voz doce angelical e que todos encantava quando, e tantas vezes o fazia, cantava as mais belas canções românticas, era filha muito querida do Sr. Ferreira e da D.ª Berta. O pai era um empresário de muito sucesso e que arriscava forte e feio para fazer prosperar os seus empreendimentos, ligados essencialmente a obras públicas. Assim, concorreu e ganhou o concurso para a construção de uma grande estrada que iria rasgar, de ponta a ponta, o território de uma então chamada Província Ultramarina, na parte portuguesa de uma ilha, no Oriente. Para o efeito, arriscou todo o seu capital no frete de um cargueiro que transportou o equipamento necessário para a obra projectada, a maioria dele considerado pesado, mas obedecendo às mais recentes tecnologias. Muito embora contasse com a mão-de-obra local, o que criaria centenas de empregos, também teve mandar de avião, as dezenas de técnicos que precisava para o andamento correcto da obra. Acresceram as despesas com o alojamento e alimentação do pessoal que naquela terra distante, saíam muito caras. Em resultado disto tudo ficou empenhado até ao último centavo. Todavia, esperava tirar retorno, com lucro, logo que começasse a receber, à medida que os lanços de estrada ficassem prontos.
Porém, um golpe militar em Portugal, impediu que os trabalhos começassem e os seus pedidos de retorno das enormes importâncias gastas foram ignorados, com a desculpa de que se tratava de um compromisso do regime político anterior, muito embora alguns dos naturais daquela Província, agora chamada de colónia, insistissem com o Governo para que aquela obra fosse feita, mas sem resultado.

O recurso ao crédito, só lhe permitiu pagar as viagens de regresso do muito pessoal deslocado, e os salários e ajudas de custo a que tinham direito. Era seu vizinho, o Sr. Almeida, casado com a D.ª Cremilde, abastado construtor civil que com argúcia e recorrendo à força do seu dinheiro, conseguiu sobreviver à contestação dos sindicatos e dos operários que o consideravam um patrão tirano, e depois filiando-se no partido que estava no poder, foi apoiado nas poucas obras que se faziam, mas que lhe traziam chorudos ganhos.
Tinha um filho de 24 anos de idade que gozava a vida à custa do dinheiro do pai. Era o Valdemar que se apaixonara loucamente pela Alice, embora ela lhe dissesse, muitas vezes, que não podiam ser mais do que amigos. Desgostoso contou ao pai, o motivo da sua infelicidade e o progenitor que tinha por ele uma adoração quase doentia, prometeu resolver a situação. Assim, quando o Sr. Ferreira, baseado no conhecimento que tinham há muitos anos, lhe veio pedir auxílio para o não deixar declarar falência e sujeitar-se a tudo o que daí pudesse derivar, o Almeida, com um abraço hipócrita, disse-lhe que o ajudaria desde que a filha dele casasse com o seu filho. Não podendo responder pela filha, ficou de lhe dar a resposta mais tarde. Ele exigiu que a resposta sendo positiva, lhe fosse dada pessoalmente pela Alice.

Regressado a casa, o Ferreira e D.ª Berta falaram com a filha, frisando bem que não queriam que ela se sacrificasse, pois preferiam ficar pobres do que vê-la fazer um casamento infeliz. Mas a Alice que adorava os pais, com os olhos rasos de lágrimas, foi a casa do Sr. Almeida dizer que aceitava a proposta, mas este obrigou-a a jurar que casaria com o Valdemar. Com o coração dilacerado pela dor, ela jurou.
Em consequência disso, o auxílio veio e o Ferreira pode recompor a sua empresa, começando logo a pagar o empréstimo que lhe tinha sido feito.
A verdade é que o sofrimento de Alice não era só provocado por não gostar do Valdemar. Ela estava apaixonada pelo João, companheiro do ginásio que ambos frequentavam. Com custo, pô-lo ao corrente da situação, o que levou o João a pedir-lhe que fugissem. Ela lembrou-lhe o juramento que fizera e não queria ver os pais a caírem em desgraça. E foi a vez de ela pedir ao seu amor que lhe jurasse que, acontecesse o que acontecesse, continuaria a amá-la. O infeliz namorado, um pouco mais velho que a Alice e engenheiro de profissão, consternado aceitou o que lhe era pedido e nessa noite, em casa dele, amaram-se perdidamente, como se fosse a primeira vez, tal o entusiasmo, o ardor, o carinho e as meiguices que partilharam.

Começou então o namoro com o Valdemar. Ela resistiu a todos os avanços que ele queria fazer e, a custo, suportava as grosserias constantes, mesmo quando ele berrava e a ameaçava, dizendo: Depois de casarmos, vais ver como é! A sensibilidade de Alice já vinha dos tempos de estudante, fazendo composições que deixavam maravilhada a sua Professora de Português, como esta: “Natal! Natal! – Palavra mágica que alegra todos os corações. Desde o dia 1 de Dezembro que as lojas e bazares se apinham dos mais variados objectos e brinquedos.
É esta quadra invernosa a mais bela de todo o ano.
Nalgumas casas, a tradição ainda é o que era. Com amor e carinho, faz-se o Presépio em que o Menino Jesus, ao colo da Virgem Maria, se sorri para S. José.
Todavia é no Natal que as saudades doem mais. Nas prisões, nos hospitais…
Alegria de uns, tristeza de outros. Natal de todos.”

Até que chegou o dia do casamento. Antes de ir para a Igreja, Alice telefonou ao João que estava inconsolável, mas ela disse-lhe: Meu querido, no final da cerimónia espera-me no teu carro, junto às escadas que vão dar ao lago e à fonte, onde tantas vezes nos beijámos. Ele quis saber o que isso significava, mas ela pediu-lhe para que confiasse nela e desligou.
Para a Alice, a celebração durou uma eternidade e com dificuldade disse o sim quando o padre lhe perguntou se queria casar com o Valdemar.
À saída da igreja, por entre as alas dos convidados que atiravam pétalas de flores e arroz, ao passar pelo Sr. Almeida disse-lhe, bem alto: Eu cumpri o meu juramento. E desprendendo-se do braço do Valdemar, sussurrou-lhe: É costume os noivos tirarem fotografias, junto à fonte e o lago que fica atrás daquelas árvores. Eu vou à frente, para te fazer uma surpresa e tu daqui a cinco minutos apareces lá com o fotógrafo. Valdemar que só pensava quanto se ia divertir na noite de núpcias, concordou.

Alice, quase correndo passou pelo lago, desceu as escadas que davam para a estrada e entrou no carro do João que a esperava e que a beijou apaixonadamente, antes de arrancar a toda a velocidade, enquanto ela soltava o véu que esvoaçou até se prender nos arbustos da berma.
Muito juntinhos, ambos cantaram:
“Ficam teus olhos em brasa/ Quando algum noivado vês/ Deixa lá casar quem casa/ Que ninguém nos tira a vez!”

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