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A paixão dos portugueses

Analogias outonais

A paixão dos portugueses

Ideias

2024-09-15 às 06h00

Joaquim da Silva Gomes Joaquim da Silva Gomes

Estamos a uma semana de terminar o verão, para alguns ainda o final das férias ou um regresso ao trabalho. Apesar de ser o mês que faz a transição entre o verão e o outono, os dias que se vivem estão ainda associados a férias, ao sol e ao mar.
O sol, o mar e a praia estão intrinsecamente enraizados na cultura dos portugueses, mas o hábito de frequentar a praia só surgiu na segunda metade do século XIX.
Em 1876, o escritor Ramalho Ortigão publicou a obra “As praias de Portugal – Guia do banhista e do viajante” onde descreve as principais praias do país (Foz, Leça e Matosinhos, Pedrouços, Póvoa de Varzim, Granja, Cascais, Vila do Conde, Espinho, Ericeira, Nazaré, Figueira da Foz e Setúbal).

O autor começa por referir que, tal como “quatro quintas partes do corpo humano são água, assim quatro quintas partes da grande corpulência do globo são mar”, sendo o mar o primeiro grande guia da humanidade. É importante lembrar que o mar é a nossa grande referência, simbolizando as descobertas, o desenvolvimento da nossa identidade como povo e a afirmação da nossa nação no mundo.
A paixão que os portugueses têm pelo mar é bem visível, não só nas épocas de verão, mas durante todo o ano. Contemplar o mar transporta-nos para a beleza, a introspeção, a contemplação, a saudade e até a paixão.
Para Ramalho Ortigão, quem está próximo do mar sente logo os seus efeitos: “o appetite augmenta, a digestão opera-se mais regularmente e mais rapidamente, a respiração exerce-se com mais actividade, o systema nervoso sobrexcita-se”! Alerta, no entanto, que as constipações “contraem-se na barraca ao despir, ou á beira da agua ao esperar”.

Aconselha as senhoras a usarem a touca para não molharem o cabelo. No mar, as mulheres poderão refrescar suavemente a “fronte e o alto do craneo com a mão molhada durante o tempo que estiverem na agua”, mas não devem ter os seus longos cabelos molhados pela água do mar!
No primeiro grande guia português sobre as praias, Ramalho Ortigão destaca também a paixão dos bracarenses pelo mar, mencionando que frequentam principalmente as praias da Póvoa de Varzim e da Apúlia.
Sobre a Póvoa de Varzim, o autor refere que se trata de uma praia repleta de entusiasmo e de movimento, acrescentando ser muito frequentada pelas gentes do Minho e do Porto.
Quando algum veraneante chegava à Póvoa de Varzim, o primeiro contacto que tinha era com as imensas moscas que ali existiam. Notava-se na praia a presença constante destes incómodos insetos, que cobriam “os muros, as humbreiras das portas, as vitrines e os mostradores das lojas”!

Ramalho Ortigão refere que Póvoa de Varzim é a mais visitada e nenhuma “outra praia oferece tão variada concorrência”. Os meses de maior afluência de veraneantes são agosto e setembro, transformando-se a Póvoa de Varzim numa “enorme estalagem com quartos a todo o preço, em que se albergam os romeiros” de diferentes estratos sociais, “desde o mendigo legendário, o mendigo dos melodramas e das feiras minhotas, de muletas, de alforge ao pescoço e de grandes barbas esquálidas, até o poderoso commendador brasileiro, de camisa de bretanha anilada como um retalho de ceu pregado no peito com um brilhante”.
Na Póvoa de Varzim marcava presença ainda o “pequeno lavrador que desceu dos montes para banhar as suas enfermidades”. Estes traziam “um lenço na cabeça, por baixo do chapéu, atado ao queixo, amplas chinellas de couro cru, longo capote de cabeções”. Quanto às mulheres, deslocavam-se para a praia da Póvoa de Varzim “com as saias de baeta pelos hombros, as mãos crusadas no estômago, o cabello curto cabido n'uma sanefa sobre as sobrancelhas”.

Ainda os “morgados ruraes, de botas de montar e esporas, jaqueta de astrakan, alta chibata de marmeleiro. As senhoras provincianas com as suas boas cores sadias, os seus bons dentes brancos, as suas fortes bocas vermelhas, luvas de fio de Escócia apertadas com cordões de seda azul e cuias de retroz em rolo inteiriço, enroscado como o chouriço de sangue, ou dividido em secções como um cacho de murcellas de Arouca preso á nuca com dois pregos de cabeça de tartaruga”. Para a Póvoa de Varzim deslocavam-se ainda todos “os juizes, todos os delegados, todos os presidentes de camaras das comarcas e das municipalidades circunvizinhas”.
Ramalho Ortigão acrescenta ainda que marcavam presença na Póvoa de Varzim “O sport de Braga, com os seus bigodes espessos e brilhantes, os seus chapéus á moda e as suas esporas de prata tilintando na lage das calçadas”. Também membros da alta sociedade de Guimarães, de Fafe, dos Arcos, de Santo Tirso, de Vila Nova de Famalicão e de Barcelos, ostentando as últimas novidades do vestuário que vinha de Paris.

Os meses de verão, na Póvoa de Varzim, eram marcados por uma multidão e um intenso movimento de veículos destacando-se “as pesadas diligencias, os chars-à-bancs de cortinas de riscado ou de couro, cobertos de poeira, puxados por três cavallos escancellados, com o tejadilho acuculado de malas, de saccos de chita, de alforges, de bahus, de caixas de lata, carreando os passageiros de Barcellos, de Fão, de Celorico e do Pico”.
A nível comercial, destacavam-se na rua da Junqueira dois grandes cafés, com espelho, com muita luz e com bons bilhares. Estes cafés eram frequentados durante todo o dia, mas à noite atingia o auge, sendo difícil encontrar alguma mesa vaga.

A religião estava bem presente na Póvoa de Varzim, uma vez que ao “toque das Ave-Marias toda a gente que passeia na praia e no Paredão, que é o ponto da reunião geral, tira os seus chapéus, pára, persigna-se e faz oração”.
Ramalho Ortigão acrescenta um capítulo sobre “As praias obscuras”, destacando Âncora e Apúlia. Sobre Âncora, refere que se trata de uma pequena povoação situada entre Viana e Caminha, sendo um dos locais mais bonitos do Minho. Fica a uma hora e meia da cidade de Viana do Castelo e do rio Lima, e a igual distância do rio Minho e da fronteira da Galiza. Acrescenta que próximo de Âncora “acha-se a pitoresca povoação de Afife, de onde são oriundos os melhores estucadores portuguezes”.

Já sobre Apúlia, Ramalho Ortigão refere que está situada entre Fão e Esposende, sendo habitada principalmente por algumas ricas famílias de Braga e de Barcelos.
Assim eram as férias à beira-mar, na altura em que os portugueses começaram a transformar o litoral numa autêntica praia nacional!

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