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A política e a técnica

Assim vai a política em Portugal

Ideias

2016-04-04 às 06h00

Filipe Fontes Filipe Fontes

“Dois homens diferentes juntaram-se. E, juntos, raramente concordavam. Inventaram decisão para desempatar. E a regra para limitar e normalizar. Depois inventaram a regra para cuidar da decisão. E a decisão para melhorar a regra. E mais não fizeram. Do que balançar entre a decisão e a regra, a regra e a decisão. Esqueceram-se. Que eram apenas dois. E não sabiam. Simplesmente porque discordavam…”

Enquanto reunião de pessoas num determinado território com vista à promoção de trocas que permitam sobreviver e viver, a cidade é um organismo complexo que implica uma governação legitimada, enquanto forma de tomada de decisão sobre o espaço que é de todos e para todos, e um conjunto de regras que normalize a convivência entre todos e estabilize um suporte comum à vida comunitária.

Como tal, a cidade implica decisão e norma, política e técnica com as duas faces maiores da governação urbana:
A política enquanto acto de síntese e decisão sobre a gestão e transformação do território, respondendo às perguntas “o quê?”, “porquê?” e “para quê?” e a técnica enquanto conjunto de procedimentos articulados que visam atingir um resultado, respondendo à pergunta “como?”.
À política exige-se capacidade de síntese e fundamentação, coragem e defesa, justiça e transparência, coerência e inclusão.
À técnica exige-se capacidade de descrição e explicação, rigor e imparcialidade, justeza e clareza, rigor e assertividade.

E, sabendo que a primeira (política) implica hierarquia e a segunda (técnica) pressupõe organização, também sabemos que é a técnica que secundariza e suporta a política e que ambas (sendo independentes) não vivem uma sem a outra.
Porque, nunca como hoje, a gestão e transformação da cidade foi tão complexa e difícil, impõe-se que esta dicotomia seja assumida na sua plenitude, potenciando o que cada uma encerra de positivo e evitando sobreposições ou diluições que em nada contribuem para o entendimento geral da gestão da cidade por todos aqueles que a habitam e usufruem.

Em função da constatação actual, e cada vez mais generalizada, o atrás descrito resulta em geometria variável (expressão tão em voga) que este cenário vem registando a preponderância da técnica sobre a política, o apagamento da decisão em função da regra.
Sendo claros os campos de actuação de cada um, conhecendo ambas os seus limites e condições, nomeadamente, não podendo a política ignorar a técnica, não podendo a técnica ultrapassar a política.

Nesta certeza, é convicção de que, hoje, à cidade falta política (neste sentido estrito do termo: opção e decisão) em detrimento de um excesso de técnica, isto é, de normativo e condição, o que retira à mesma cidade o seu espaço público de excelência, de confronto de opções, fundamentação de decisões, exercício do contraditório e debate para a construção de uma cidade melhor.
Ao contrário, assiste-se a um privilégio da técnica que retira sagacidade e liberdade à gestão da cidade, condicionando-a e limitando-a e nem sempre garantido as suas obrigações: rigor, clareza e explicação.

A assunção da natureza e fim último da política e técnica é, assim, fundamental para a qualidade da vida da cidade, delas dependendo o dinamismo e capacidade em, continuamente, se afirmarem cada vez mais e melhor.
Porque, na certeza de que a gestão da cidade é, e deve ser sempre, o equilíbrio de todas as partes em presença, o compromisso entre todos os pontos de vista na defesa do bem público que a todos diz respeito.na verdade, no fim, tudo se traduzirá na legitimação e escolha através do processo eleitoral (por parte da política) e na competência e reconhecimento profissional (por parte da técnica).
Acredita-se que, no final, tudo resultará em bom senso. Porque é de bom senso que trata a (boa) gestão da cidade.

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