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A praia: um lugar ameaçado de extinção

O preço da transparência

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A praia: um lugar ameaçado de extinção

Escreve quem sabe

2024-07-20 às 06h00

João Ribeiro Mendes João Ribeiro Mendes

Há precisamente 16 anos, a 20 de julho de 2008, um domingo, foi roubada a Praia de Coral na Jamaica. Foi roubada a praia inteira, isto é, os seus 400 metros de areal, aproximadamente uns 10.000 metros cúbicos, o equivalente a umas 4 piscinas olímpicas cheias de areia. Isso foi conseguido mobilizando 500 camiões para retirarem toda a areia durante uma noite. Supostamente ninguém deu conta do roubo e até hoje não se sabe quem foram os seus autores nem aonde foi parar a areia. Suspeita-se, contudo, que foi a “máfia da areia” local em conivência com as autoridades de Trelawny, região onde fica a praia. Estima-se que à época esse volume de areia valia mais de 1 milhão de euros no mercado negro.
Este não foi um caso isolado de roubo de areais, mas parte de um fenómeno a ocorrer por todo o mundo e a um ritmo cada vez mais acelerado. Ele atingiu tal magnitude que em 2013 o realizador francês Denis Delestrac estreou o premiadíssimo documentário Sand Wars (Guerras de Areia) onde argumenta sobre a elevada probabilidade de no final deste século deixarem de existir praias. Idêntico alerta é feito no relatório Areia e sustentabilidade: 10 recomendações estratégicas para evitar uma crise publicado pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente em 2022.

E, todavia, incompreensivelmente, esse é o problema ambiental menos noticiado do nosso tempo. Uma exceção será o trabalho do jornalista nova-iorquino Vince Beiser, The World in a grain (2018) sobre a “crise da areia” onde revela que a mesma tem a sua génese no início do século passado quando começámos a usar intensivamente cimento, particularmente no setor da construção.
Ela foi-se agudizando porque a areia é usada em praticamente tudo o que utilizamos, como pasta de dentes, detergentes, cosméticos, computadores, telemóveis, tudo o que é feito de vidro, etc. Neste momento, trata-se do segundo recurso natural mais usado no mundo, logo a seguir à água doce.
É claro que com tanta areia disponível em desertos pelo mundo se ache estranho falar-se em escassez de areia. Acontece que essa areia por ser muito fina e feita de grãos arredondados não permite que eles se liguem entre si e, por isso, é de uso inútil. A areia valiosa, composta de grânulos de sílica mais grossos e angulados, é a dos rios e das praias. Não surpreende, pois, que para erguer os seus 828 metros da Burj Khali-fa (Torre do Califa) no Dubai, apesar da proximidade do deserto, tenha tido necessário importar uns impressionantes 99.000 metros cúbicos daquela areia. É ela que se encontra a ser saqueada em praias e rios nos países em desenvolvimento, mas não só, e a ser ilegalmente traficada planetariamente.

Esperar que a natureza restaure a areia extraída levará milhares ou milhões de anos, ou seja, um grande número de gerações humanas. Em alternativa, Miami, por exemplo, tentou combater a falta de areia nas suas praias retirando areia do fundo do oceano Atlântico. Essa solução, contudo, para além de muito onerosa está esgotada, porque deixou de haver areia para extrair. A reciclagem a partir do vidro também tem vindo a ser intentada, mas é um processo muito limitado, caro e cronófago.
Portugal tem cerca de 950 km de costa continental. Se supusermos que 60% é constituída por praias arenosas que têm em média 50 metros de largura e 2 metros de profundidade, então dispomos de uns 60 milhões de metros cúbicos de areia. Daria para construir umas 600 Burj Khalifa. Perante a cobiça mundial desta matéria-prima é urgente classificá-la como recurso estratégico nacional e co- meçar a protegê-la agressivamente.

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