Portugueses bacteriologicamente impuros
Escreve quem sabe
2020-10-20 às 06h00
A tendência para emitir uma opinião encontra-se generalizada, embora essa última nem sempre seja pedida. Aliás, existem coisas que são enunciadas e sugeridas que teriam um maior sucesso se nunca fossem reveladas. Seja como for, nos dias de hoje muito se tem falado sobre a saúde e a eficiência dos seus serviços no país, seja para os colocar no topo da montanha, seja para os afundar no mais recôndito dos lagos da opinião. Ainda assim, continuo a considerar que aquilo que é exposto deve ser fundamentado antes de vir para uma praça pública. Afinal, não é pela quantidade de Gostos nas redes sociais que algo é bom ou passível de ser entendido como um fenómeno recomendável.
Gostaria que fosse dada maior ênfase a situações que valem a pena o esforço de ler sobre elas, estudá-las e torná-las públicas. É o caso da celebração do Dia Mundial da Segurança do Doente, que foi assinalado a 17 de setembro e que não trouxe, infelizmente, grandes manifestações de comemoração. Foi pena. Aliás, considero que este seria um dia, mais do que nunca, a ser assinalado com pompa e circunstância, visto que todos nós fomos, somos ou seremos doentes e, para além disso, todos nós conhecemos, neste momento, alguém doente que gostaríamos que fosse tratado com os melhores cuidados possíveis – e na maior segurança.
Este ano, o assinalar deste dia trouxe consigo um outro destaque, a própria saúde dos profissionais que cuidam dos doentes. Em boa verdade, nenhum doente pode ser bem assistido por pessoas que não se encontram plenamente capazes, sobretudo naquilo que diz respeito à saúde, seja esta física, mental, emocional ou até espiritual.
Ao ser promovida a saúde dos profissionais que trabalham com doentes é, proporcionalmente, promovida a segurança dos mesmos. E esta não é apenas uma opinião, é um facto científico que a Organização Mundial de Saúde espera que seja entendido e atendido pela população, chamando igualmente a atenção dos políticos e gestores que atuam nesta esfera, que apresentam responsabilidades legais e morais nesse âmbito.
Para a concretização desse entendimento e atendimento, a Organização Mundial de Saúde estabeleceu cinco recomendações estratégicas que visam melhorar a segurança e a saúde dos profissionais e, consequentemente, dos doentes. A primeira dessas recomendações diz respeito ao estabelecimento de uma articulação efetiva entre as políticas e ações relativas à saúde dos profissionais e as medidas tomadas em relação aos doentes. Deve existir uma consonância nas mesmas, uma espécie de conciliação, em especial atendendo à educação/ formação, ao desenvolvimento de competências e à qualidade dos cuidados.
A segunda recomendação prende-se com o desenvolvimento de programas nacionais que visem a uniformização e melhoria da saúde ocupacional. Aqui encontra-se explícito o desenvolvimento de legislação, guidelines ou protocolos, ou seja, algo que proporcione, além de uma obrigatoriedade, uma padronização da saúde ocupacional entre as diferentes unidades de cuidados de saúde. A terceira recomendação, e para mim, pessoalmente, talvez uma das mais relevantes, é a prevenção da violência no local de trabalho e a proteção dos profissionais de saúde nesse domínio. Além da escassez de leis que protejam os trabalhadores, é um facto que a violência dirigida aos profissionais nas unidades de cuidados de saúde existe, realizada tanto pelos próprios doentes, como pela família ou até entre os pares trabalhadores. Não falo da violência que é provocada, por exemplo, por uma alteração derivada de uma patologia psiquiátrica, mas sim daquela violência intencional, dirigida, e que a maioria das vezes ou não é assinalada ou não apresenta consequências.
Dessas recomendações estratégicas da Organização Mundial de Saúde surge ainda a orientação para favorecer e fomentar a saúde mental e psicológica dos trabalhadores das unidades de saúde, que é essencial para garantir a qualidade de vida no trabalho e a satisfação com os cuidados. Esta também é uma recomendação de extrema importância, essen- cialmente tendo em conta os níveis atuais de burnout e stress que os profissionais de saúde apresentam. Deve existir um equilíbrio entre as questões laborais e as questões pessoais/familiares, devendo as instituições saber reconhecer o esforço dos seus trabalhadores, especialmente em tempos tão agrestes como aqueles em que nos encontramos.
Por último, a quinta recomendação relaciona-se com a prevenção dos riscos biológicos e físicos que, em alguns países, ainda não se encontra legislada e/ou devidamente monitorizada. Estes riscos não se associam apenas com, por exemplo, a manipulação de materiais tóxicos, como é o caso dos fármacos utilizados em quimioterapia, mas conjuntamente com o provimento de equipamento de proteção individual (máscaras, batas, luvas, …), a vacinação dos próprios profissionais de saúde ou até a adequação do fornecimento de água ou eletricidade às instituições onde se cuidam doentes. Sim, as realidades não são semelhantes e se cá no nosso Portugal, à beira-mar plantado, as condições de abastecimento de água se encontram estabelecidas de forma apropriada, noutros países a água para as unidades de cuidados de saúde ainda é transportada em baldes – isto é, se existir água.
Fico contente por nos encontrarmos num contexto onde nos seja permitido falar e opinar publicamente, embora muitas vezes isto seja realizado sem grande filtro. Ainda assim, vale a pena comemorar determinados dias, mencioná-los, dar-lhes valor, porque atendendo à situação de saúde pública que estamos a viver atualmente, e à vista de outras conjunturas, o nosso contexto português ainda se encontra compatível com aquilo que são as recomendações de boas práticas. Sim, também é verdade que existe um caminho a percorrer, particularmente no âmbito da saúde mental e da psiquiatria (que tem sido excessivamente negligenciada), mas sabemos qual é esse percurso, tal como sabemos aquilo que é necessário fazer. Resta, apenas, colocar mãos à obra.
15 Junho 2025
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