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A toalha do silêncio verde

A responsabilidade de todos

A toalha do silêncio verde

Voz aos Escritores

2019-10-11 às 06h00

José Moreira da Silva José Moreira da Silva

Relevar os olhos pela cor, seja vista, ouvida, lida ou profundamente sentida, é algo de extraordinário. Lembro-me de algumas canções cujo tema é a cor dos olhos: «Onde estão teus olhos negros» (The Fevers), «Olhos negros» (Teresa Salgueiro), «Teus olhos castanhos» (Francisco José). Do que me lembro mais, porém, e com estremecido sentimento, é dos olhos verdes da Joaninha. O episódio do Vale de Santarém nas «Viagens na minha terra», de Almeida Garrett, é dos mais belos de toda a literatura portuguesa. Não sei por que razão a cor verde foi, num passado longínquo, inexplicavelmente proscrita, mas nos olhos de Joaninha, esse ser angelical desenhado por um poeta, ela com certeza renasceu. Obrigado, Joaninha, e todos os restantes tributários, por nos fazerem amar o verde e o transformarem em ponderosa ideologia.

Diz Calderon de la Barca que o verde é a principal cor do mundo, e que é a partir dela que surge a sua formosura. Eu estou absolutamente de acordo com ele, aliás com todos os poetas, e isto sem desprimor para o Stendhal, que me acrescentou grandes loas ao rosa, ao vermelho e ao inevitável negro. E estou de acordo com ele, porque aceito todos os argumentos, para além da minha sensibilidade, de natureza poética.
Um dia li uma entrevista do António Ramos Rosa em que, a propósito do seu «Volante Verde», afirmava, de maneira simples, que o verde é uma palavra pujante, e que era, naquele livro, o que havia de mais primordial, cósmico e vital. A partir daí, e tendo como pano de fundo os olhos da musa de Garrett, passei a guardar todas as referências a esta cor, ciente de que um dia escreveria este artigo, o que, como veem, acontece. Registei a coincidência do nome Cesário Verde, poeta da cidade e do campo, bem como o nome de Cabo Verde, ilha que, com certeza quando foi descoberta, devia transbordar desta cor. No tempo das Descobertas tudo era virgem e muito belo, e até nem deve ter sido por acaso que Camões deu a cor aos campos, se lembrou dos limões e tudo comparou aos olhos do seu coração.

Com efeito, disse ele na sua experiencial sabedoria, o tempo cobre o chão de verde manto, e há que mantê-lo assim para os nossos filhos, netos e bisnetos, se Deus quiser. E isso, este espaço aberto, a rua, o grito, a grande toalha do silêncio verde (que bonito, Ramos Rosa!) será para eles o paraíso. Caso contrário, como lembra o grande Yeats, nascerá uma beleza terrível.
Pode o verde ser complacente, como sugere Eugénio de Andrade, na sua «Antologia Breve»? Se pensarmos no verde branco, é plausível que sim. Se pensarmos no verde tinto, como tem taninos, e tal, é provável que não. Tudo depende do jogo, da interpretação e da graduação. Creio que Pessoa pensava nisto, quando, não sei se soluçando hic hic, repetia, gaguejando, «Rosa verde, rosa verde… Rosa verde é coisa que há?». A pergunta, como se deduz, é muito pertinente, pois se há verde branco e verde tinto, porque não um rosé verde? E olhem que há, e é muito boa pinga! Tenho cá a sensação de que os inventores da língua soluçavam como o poeta quando deram significados a tão belo significante. Afinal, de que cor é o verde? É nome ou adjetivo? E lá por estarem bêbados, é justo deixarem-nos nesta grande indecisão? Eu sei que o cabaret e as mesas do Rimbaud são propícias a enganos indesculpáveis, mas, às cinco da tarde?

Ó Eugénio, meu poeta amado, cura-os da bebedeira, dá-lhes uns peixes verdes, uns olhos de encantar, e transforma esta taberna da vida num definitivo paraíso, verdíssimo como o paraíso do Baudelaire. Aproveita e transforma as flores do mal em jardim da esperança, paraíso dos nossos amores infantis, mas um jardim que seja aqui, neste verde meio sujo em que vivemos, e não na Índia ou na Cochinchina.
Tu, que sabes ouvir e cantar, ouve bem o Baudelaire!?

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