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Fala-me de Amor

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Ideias

2021-05-05 às 06h00

José Manuel Cruz José Manuel Cruz

Há quem não se faça ouvir, e há quem seja ouvido com reverência. Conta o quê: o valor intrínseco da mensagem? Não! Conta o orador, o palco, a existência de turba e elite pronta para a loa. Pode contar a vacuidade meridiana do exposto, por exemplo, um discurso recheado de lugares comuns, que vai do beco à alameda, tem tendência abranger, a concitar aplauso e aquiescência. «Isto é que é falar!», explode o luso.
Leva dias a alocução do Sr. Presidente, oratória a que não mendigam encómios, que reputada é de oportuníssima, quase uma fronteira para o Grande Portugal. Encerremos definitivamente os passados e concentremo-nos em construir presentes e futuros!
Convoca-se 60 para se exaltar 74, a guerra colonial como alavanca de Abril. Discurso que poderia ir no bom sentido, se sublinhado fora que outro mato justo é que acrescentemos às frentes da Guiné, Angola e Moçambique – o de Portugal –, que por cá se oprimia e escravizava, que por cá se passavam penúrias indescritíveis, tanto que para franças se palmilhavam caminhos, não tombasse um po- bre que desenrascado ficava: para ele, para a família, para amigos a quem desse a mão. Digamos que Abril nos libertou a todos e, as contas que havia para fazer, ficaram saldadas então. A mal, ou a bem.
Mas não. Quer o Sr. Presi-dente que façamos uma purga de amargos, que enfrentemos quantas vergonhas se nos possam apontar, para que nos reconciliemos com a História e com os mundos que tocamos de dedo sujo. Permitido me seja recusar a dieta e repudiar o banco dos réus.
Voltemos a Abril e às esponjas passadas por deves e haveres. Mas que boa revolução fizemos – dizia-se na altura –, sem sangues! Haja História por uma vez: fez-se a revolução a bem, porque continuou a mandar quem mandava, com o recreio do PREC.
Como se poderia acertar contas, se figuras impregnadas de Estado Novo abancaram no novo Parlamento, passados por sabão e água corrente? No geral, a ideia de elite Abril não é uma mistificação? E, mesmo dos grupúsculos de esquerda, não bandeou um pedaço deles para os partidos do conforto?
Abril estagnado. Passamos por rupturas financeiras, continuamos na cauda da Europa, e a culpa há de ser da ordem do simbólico, do psicopatológico social? Não encarreiraram as coisas na África lusófona, e a culpa é da descolonização? E que seja, mas não assinamos nós tudo? E são os de hoje que têm que se penitenciar pelos dislates de mortos e vivos?
Esqueçamos a etnopsicanálise, centremo-nos em factos, como o anúncio de que um ministério abrirá uma residência universitária em Lisboa para filhos de funcionários públicos. Como? As camas não faltam a todos? No pódio dos idosos activos, na EU medalhamos com bronze, ganha-se mal, genericamente, e a culpa é do Zé?
Não há Estado Novo que desculpe atavismos e práticas caducas. Os erros do passado já lá vão e, se deles falam, tenho para mim que dos presentes nos distraiam. Podemos sempre escolher, a jovens o disse o Sr. Presidente nesse preciso dia: se não gostam destes políticos, escolham outros. Contestem! Transformem os partidos por dentro! É factível, digo eu, mas haveriam de os cotar por populistas imberbes.
Distancio-me do discurso, do séquito e da charanga. Arenga de circunstância que se esgota em si mesma, mero exercício de estilo, redacção esticada de aluno loquaz, para 15 em 20: 5 pelo tema – Portugal; 5 pela ortografia e pontuação; 5 pela eu- foria refundadora, que é disso que os portugueses vivem.
Distancio-me. Ouvir por ouvir, antes melro da manhã que irrompe, que pavão que parque alinda ou jardim de gosto barroco.

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