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Abril, é uma Nação de Liberdade!

Entre decisões e lições: A Escola como berço da Democracia

Abril, é uma Nação de Liberdade!

Ideias

2025-04-23 às 06h00

Manuel Barros Manuel Barros

Esta crónica é publicada no Dia Mundial do Livro, comemorado a 23 de abril (hoje), desde 1996, por iniciativa da UNESCO sob o lema "Ler é ser livre", como ilustra o cartaz da autoria de Rachel Caiano. O livro e a leitura unem-se desta forma, à memória e à cidadania, como instrumentos fundamentais para compreender, preservar e continuar o legado de Abril. No ano em que Portugal assinala o 50.º aniversário das eleições para a Assembleia Constituinte, pilar essencial da institucionalização democrática após o 25 de Abril, e celebra o 51.º aniversário da “Revolução os Cravos”.
A 25 de abril de 1975, um ano depois da queda da ditadura, os portugueses foram às urnas para eleger a Assembleia Constituinte. Votaram em liberdade pela primeira vez em muitas décadas. Mais de 90% de participação. Um país inteiro a redescobrir o significado do voto. Desses trabalhos nasceu a Constituição de 1976, que ainda hoje é o coração legal e simbólico do regime democrático. Foi o momento, em que Abril se fez lei, e quando a vontade da rua se transformou em norma. Um feito monumental, mas não definitivo.
Em tempos de comemorações, corre-se sempre o risco de transformar a história num postal colorido. Mas a verdade é mais complexa. Como escreve Lídia Jorge em Os Memoráveis, "toda a revolução é uma grande alegria que anuncia uma grande tristeza". A frase parece um paradoxo, mas encerra uma realidade incontornável: a tristeza de perceber que nenhuma revolução realiza, por inteiro, o mundo que sonhou. A democracia portuguesa foi, e continua a ser uma obra inacabada. E isso exige responsabilidade.
Temos muito a celebrar. Mas também muito a pensar. O livro “Portugal 50 Anos Depois do 25 de Abril”, de João Gouveia Monteiro, não se limita à nostalgia. Deve ser analisado como uma espécie de espelho, porque mostra quem fomos, quem somos e, de forma inquietante, quem ainda não conseguimos ser. É um exercício de autocrítica, necessário para que o futuro democrático não seja apenas um prolongamento automático do passado. Porque recordar a liberdade é também vivenciá-la com pensamento crítico, com voz ativa, com palavras que constroem todos os dias.
No livro “Abril é um País: Um olhar estrangeiro sobre os heroísmos da Revolução dos Cravos" Tereixa Constenla, jornalista espanhola, correspondente do El Pais em Portugal, defende que, “O 25 de Abril, não tem arestas nem recantos fétidos. Não há nada de que se envergonhar, nada a silenciar durante duas gerações, nada que corrigir. Não é preciso fazer as pazes com a memória, quando as espingardas se transformam em floreiras”. E tem razão. Abril não é só uma data, nem um regime. É um território simbólico, uma ideia de país. Uma promessa que não pode ser reduzida a cerimónias institucionais, a cravos de ocasião ou a discursos de circunstância. Hoje, temos motivos de orgulho. O fim da guerra colonial, o Serviço Nacional de Saúde, a escola para todos, a integração europeia, a cultura livre.
Na mesma linha, cita Sophia de Mello Breyner na enfática expressão poética," Esta é a madrugada que eu esperava”, afirmando que não é apenas um verso bonito. É um manifesto. Um grito de quem esperou, por décadas, a libertação de um país acorrentado pelo medo e pela censura. A Revolução de Abril devolveu ao povo português o direito de existir plenamente com liberdade, com dignidade, com voz. Apesar desta esperança, vivemos num tempo em que a memória pode ser instrumentalizada, distorcida ou simplesmente esquecida.
Numa abrangência inspiradora e uma tentativa de diagnóstico holístico do país, conectando múltiplas facetas da sociedade portuguesa contemporânea. João Gouveia Monteiro, assume uma análise de duplo sentido, em relação a este meio século de história. Um "contributo para um 25 de Abril festivo", reconhecendo a importância da data, e de uma forma mais assertiva, assumindo uma posição mais “autocrítica e virada para o futuro". Esta dualidade sugere uma abordagem que evita tanto a glorificação acrítica, como o pessimismo paralisante, procurando um balanço ponderado.
Embora partindo de uma efeméride histórica, a descrição enfatiza a relevância da análise para os desafios da atualidade política e social, do nosso País e da Europa. Os "desequilíbrios da demografia", as “angústias dos jovens de hoje", o "dilema da habitação", os "desafios da inteligência artificial" e a sua orientação prospetiva "virada para o futuro". Não se trata, portanto, apenas de um balanço histórico, mas de um diagnóstico do presente com vista à ação futura.
Há ainda feridas abertas, como as desigualdades sociais persistentes, habitação inacessível, precariedade laboral, desconfiança nas instituições e o populismo em crescimento. A grande tristeza, de que fala Lídia Jorge, pode ser também o cansaço de uma geração, que vê os sonhos de Abril, cada vez mais distantes da sua vida. Alimentando a dúvida se estivemos à altura da democracia que conquistámos, que se reflete no esvaziamento gradual, entre o conformismo e a indiferença.
Abril não foi, nem é o fim de nada. Foi o princípio de tudo. A revolução não terminou. Hoje, faz-se nas urnas, nas ruas, nas escolas, nos jornais, nas redes sociais. Faz-se quando se defende o que é justo, quando se exige o que é necessário, quando se participa, mesmo que pareça que nada muda. Há cinquenta anos, um cravo no cano de uma espingarda anunciou ao mundo, que Portugal estava pronto para mudar.
O dia 25 de Abril de 1974 marcou o fim da ditadura e o início de uma nova era. Um tempo novo feito de liberdade, esperança e transformação.
Em tempos conturbados, “a grande magia” da democracia é a capacidade de se autocorrigir. “Quando enfrentam crises ou pandemias, as autocracias não têm capacidade de reagir às necessidades dos eleitores. As democracias sim”, defendeu o cientista político Daniel Ziblatt, da Universidade de Harvard, durante o evento “Cinco Décadas de Democracia, o que mudou?”, realizado no Quartel do Carmo, em Lisboa. Muito mudou. Portugal transformou-se, nas famílias, na saúde, na educação, na igualdade de género, na forma como vivemos e decidimos em conjunto o nosso destino.
Abril é uma Nação de Liberdade…

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