Entre a vergonha e o medo
Escreve quem sabe
2023-12-19 às 06h00
Frágeis são os copos, que arrumamos com cuidado, e frágeis são os pratos, que arrecadamos em sítio que não se partam. Também são frágeis os bibelots que colocamos espalhados pelas casas, em particular aqueles a que damos maior apreço. São frágeis todas as coisas que partem, que se destroem com facilidade, que, eventualmente, são perecíveis e destruíveis com o tempo. No entanto, também nós, seres humanos, somos frágeis, não tanto pela maneira como encaramos a nossa presença neste planeta, todavia, sim, devido à condição física e psíquica que nos compõe.
Como indivíduos, somos compostos por uma matéria que se degrada com o tempo e que tem um termo. À medida que vamos envelhecendo é necessário, em geral, ter um pouco mais de atenção com o nosso corpo e com as peças que o fazem funcionar. Há dentes que têm de ser tratados, joelhos ou ancas a serem substituídos ou órgãos que adoecem, necessitando de tratamentos agressivos e especiais. Claro que há exceções a estes casos, visto que alguns jovens também têm estes problemas. Ainda assim, o envelhecimento traz consigo a degradação do corpo humano e relembra-nos, de forma muito particular a cada um de nós, a fragilidade de que somos feitos. Obviamente que as questões da mente também são espelho de uma certa precariedade, pois, à medida que os anos vão passando, a memória e a atenção esmorecem, surgindo igualmente, muitas vezes, problemas relacionados com a solidão e a ausência de um sentido para continuar.
Como coletividade, encontramo-nos inseridos num mundo cultural e social, em que persistem normas e regras. Existem, então, determinadas linhas que limitam a nossa forma de estar e de ser, que nos permitem um sentimento de pertença e de vivência em estados comuns. O todo é bem maior que a soma das partes, embora cada parte seja essencial para que o todo se assuma tal como é. Apesar disso, também a coletividade apresenta uma determinada fragilidade, pois não deixamos de ser uma espécie entre tantas outras – e por vezes esquecemo-nos disso. O planeta onde vivemos vai-nos recordando dos nossos abusos e das nossas ações descomedidas perante a manutenção daquilo que é o bem-estar ecológico e, se por um lado vamos fazendo «ouvidos moucos» ao que o planeta nos diz, por outro lado, somos literalmente obrigados a tomar diligências de uma maior preservação daquilo que é o nosso mundo, e consequentemente da nossa coletividade.
Todavia, não considero a fragilidade como algo de mau ou como algo que conduz a uma coisa defeituosa. A fragilidade pode ser berço de dedicação, crescimento e de coragem. Só nos é possível verificar necessidades quando nos apercebemos das vulnerabilidades, e só é possível olhar para um Outro, na maioria das vezes, quando este realmente se encontra despido naquilo que são as suas fraquezas – há um cair de uma armadura, um desvelo, que possibilita verificar o grau de fragilidade e de transitoriedade, que são típicas de todos nós. Não pensemos que somos super-heróis num mundo que construímos à nossa maneira: também os super-heróis têm os seus momentos de maior debilidade e esses mundos são, em demasiadas ocasiões, fundados em fantasias. Aliás, o crescimento dá-se, principalmente, após crises e transformações; sabemos todos que crescer dói, porém sabemos igualmente que essas dores só nos ajudarão a manter no caminho que nos vai sendo permitido caminhar.
E a coragem, essa «coisa» que não sabemos muito bem de onde nasce, mas que se apresenta nas nossas vidas em momentos de maior aflição – e maior delicadeza. Não conheço ninguém corajoso que não seja, ao mesmo, tempo frágil. A coragem apresenta-se em alturas de grande exposição e de grande indefesa, pessoal ou coletiva, e aparece para que seja necessário dar resposta ao que nos torna mais frágeis. Nesses momentos é necessário reagir e agir, é urgente que se mostrem os defeitos para que estes sejam facilitados ou atenuados. Viver com coragem é viver com fragilidade, pois uma deve apoiar-se na outra de maneira que haja uma certa preservação daquilo que nos constitui enquanto indivíduos e enquanto coletividade.
Estamos habituados a associar a fragilidade à doença ou à ausência de saúde, porém, talvez seja prudente começarmos a tratar a fragilidade como uma amiga que nos ajuda a ser mais fortes. Além de uma certa utilidade, a vivência da fragilidade possibilita a vivência daquilo que é de facto a experiência humana, que passa por um começo e um fim, no qual o corpo, físico e mental, participam de forma harmoniosa. Na saúde, esse corpo é precioso, pois ajuda-nos a viver melhor, com maior qualidade e com maior destreza. Contudo, também na saúde a fragilidade é essencial, visto que é um lembrete para nos alertar da necessidade de tomarmos melhor conta de nós.
Afinal, não é apenas a loiça que é frágil, ou os alimentos que perecem. Também, enquanto seres humanos, temos tempos concretos e prazos de duração que são, então, espelho da nossa fragilidade. Talvez se possa atender à fragilidade humana como um benefício, pois é nela que nos lembramos dos nossos limites e é identicamente nela que encontramos os nossos lanços de coragem. E talvez, também, não nos devemos esquecer que nos encontramos todos no mesmo ponto, embora uns necessitem de maior atenção do que outros, sendo provavelmente necessário lembrar a alguns a coragem de que são feitos.
13 Junho 2025
06 Junho 2025
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